O Anjo da Morte foi um dos mais sádicos indivíduos que pisou a face da Terra

É difícil encontrar palavras para descrever um animal que fazia experiências absurdas com as suas vítimas judias. Mengele é um nome que ficará para sempre ligado à mais bárbara face do já de si bárbaro regime nazi.

Enseada da Bertioga: fica perto de São Paulo, no Brasil. E é, certamente, o mais agradável de todos os nomes que estão associados a Josef Rudolf Mengele – foi lá que morreu. E o mundo agradeceu por esse dia 7 de Fevereiro de 1979. Uma morte meio ridícula, como ele merecia, após ter resolvido ir nadar no Atlântico de águas tépidas e ter sido vítima de um ataque de coração. Afogou-se. Bendito mar!

Difícil é perceber como um animal de tal calibre conseguiu sobreviver neste mundo de Deus (dizem que é, mas não parece) até aos 67 anos, depois de se ter escapado da Alemanha nazi só em 1949. O que quer dizer que continuou por lá durante quatro anos, usando o seu próprio nome sinistro, sem que os Aliados lhe tenham posto o pé em cima. Primeiro saltou a fronteira (reposta) para a Checoslováquia e escondeu-se na pequena cidade de Žatec. Apavorado com a ideia de ser capturado pelas tropas soviéticas, deslocou-se para Ocidente e acabou por ser feito prisioneiro pelos americanos em Junho de 1945._Uma confusão generalizada nas listas de criminosos procurados e o facto de não ter, como a grande maioria dos soldados nazis (andava disfarçado de oficial da Wehrmacht), o símbolo das SS junto com o tipo sanguíneo tatuado num dos braços, fez com que fosse libertado menos de um mês depois. Pouco confortável livrou-se do nome de baptismo e passou a ser um tal Fritz Hollmann que arranjou emprego de agricultor numa quinta perto de Rosenheim, na Baviera. Com o passar do tempo foi-se sentindo cada vez menos confortável, prevendo que acabariam por caçá-lo e condená-lo à morte. Concatenado com outros alemães perseguidos conseguiu chegar a Itália, a Génova, com um passaporte passado pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha. A partir daí era Helmut Gregor. E como Helmut Gregor meteu-se num navio e zarpou para Buenos Aires. Safou-se como pôde: foi carpinteiro, caixeiro-viajante, voltou a ser médico, mesmo sem licença, e fez abortos clandestinos. Depois, com um descaramento divino, passou a empregado da Karl Mengele & Sons, uma empresa de maquinaria agrícola fundada pelo seu pai Karl e que manteve sucursal na capital da Argentina. Já estava outra vez à vontadinha. Ia com frequência a Assunção, no Paraguai, para tratar de assuntos da firma. Através da embaixada germânica em Buenos Aires recuperou o passaporte alemão agora já com o seu nome verdadeiro. Deu-se ao atrevimento de viajar até à Europa e conhecer o filho que aí deixara, apresentando-se como tio Fritz. Gozava na cara daqueles que o tinham posto à solta. Passou uns dias na Suíça, a fazer esqui, e até visitou a sua cidade natal, Günzburg, onde nasceu a 16 de Março de 1911. Convenceu a segunda mulher, Martha, e Rolf, filho de Irene Schönbein, a primeira, a irem viver com ele na Argentina onde fundara a Fadro Farm, uma fábrica de produtos farmacêuticos. Continuou a exercer medicina sem licença até que, provocando a morte de uma jovem durante um aborto, os médicos argentinos o colocaram sob suspeita. Saltou para o Paraguai onde lhe ofereceram generosamente a cidadania, mesmo sabendo de quem se tratava: passou a José Mengele. Instalou-se de casa e pucarinho em Hohenau, uma cidade junto da fronteira argentina que fora fundada por alemães. Apesar do esforço desenvolvido pelos caça-nazis Simon Wiesenthal e Hermann Langbein nunca os paraguaios aceitaram a sua extradição. Na Alemanha Ocidental oferecia-se uma larga quantia pela captura de José. Com os acontecimentos a tomarem um rumo que não lhe agradava, mudou-se para o Brasil. Ganhou dois amigos expatriados húngaros, Géza e Gitta Stammer, um casal que tinha comprado uma quinta em Nova Europa, Estado de São Paulo. Trocaram-na por outra em Caieiras, não muito longe mas mais escondida. A amizade durou pouco e Mengele viu-se sozinho num bungalow arrendado aos Stammers que acabaram por fugir dele como se fugissem das caldeiras de_Pêro Botelho. Rolf, o filho, visitou-o em 1977. Definiu-o na imprensa alemã como «um nazi arrependido que teimava na versão de ter sido apenas um escriturário e recusando assumir qualquer crime». Nunca perdeu a desfaçatez.

O Anjo Branco da morte

Oficial das SS, Josef Mengele, doutorado em medicina e antropologia antes da II Grande Guerra, não ganhou as alcunhas de Todesengel (Anjo da Morte) e de Weißer Engel (Anjo Branco) por mero acaso. As experiências torpes que realizou no Campos de Concentração de Aushwitz e Birkenau, onde foi colocado como um dos médicos responsáveis pela escolha das vítimas das câmaras de gás, ficarão para todo o sempre na Enciclopédia da Maldade Gratuita. Obcecado pela noção de hereditariedade e por gémeos idênticos desceu ao ponto mais reles da barbárie. Justificava a sua fixação em gémeos com a ideia explícita de que as raças superiores deveriam produzi-los com mais frequência para garante da sua sobrevivência. Von Verschuer, outro canalha da mesma estirpe, chegou mesmo a criar a Deutsche Forschungsgemeinschaft (Fundação Alemã de Estudos), uma organização montada para encontrar gémeos para que Mengele pusesse em prática as suas teorias. Também não lhe faltou dinheiro para construir um Laboratório para Patologias junto ao II_Crematório de Aushwitz.

O sadismo do Anjo Branco era de tal dimensão que começava por alimentar melhor e dar condições mais decentes àqueles que optava por serem suas vítimas. Tratava as crianças com carinho, oferecendo-lhes guloseimas e insistindo para que lhe chamassem Tio Mengele. Ocorre-me neste momento um não acabar de insultos com os quais merecia ser chamado, mas adiante. O que fazia com os gémeos é quase indescritível: amputava-lhes membros do corpo perfeitamente saudáveis, inoculava-lhes doenças várias, como a febre tifoide, transferia o sangue de um para o outro. Na sua doença mental tentava encontrar uma razão que levasse um dos gémeos a responder a estas torturas diferentemente do outro. Se muitos morriam durante as ditas experiências, os cadáveres eram cuidadosamente dissecados de maneira a fornecer material para longos relatórios que não serviam para nada se não para que Mengele se considerasse a si mesmo um estudioso da raça judia capaz de a erradicar do universo por algum meio genial. Há testemunhas de que, certo dia, injetou clorofórmio diretamente no coração de catorze crianças só para observar as reações dos meninos conforme iam morrendo. Outra das suas especialidades era a de injetar tinta na íris de miúdos na tentativa de ser capaz de lhes mudar a cor.

Torturador de anões

Os anões eram igualmente muito tentadores para o Anjo da Morte. Removia-lhes os olhos e os dentes, espoliava-os de grandes quantidades de sangue e tomava nota das suas reações. Mulheres grávidas também lhe chamavam a macabra atenção. Retirava-lhes os fetos em diversas fases de gestação para poder, em seguida, fotografá-los e cronometrar o tempo que se mantinham vivos. A anestesia não fazia parte do seu processo criativo. Todas as cirurgias eram a sangue frio. O mesmo sangue frio que a besta exibia ao fazer a ablação de olhos ou de outros órgãos do corpo como rins, fígados ou corações. Indigno de ser chamado de médico, Mengele atingia o arroubo da psicopatia.

Só em Maio de 1985 é que a polícia alemã encontrou em casa de um dos seus parentes uma carta que anunciava a morte de Josef Mengele. O seu corpo seria exumado no dia 6 de Julho. Intensos exames forenses provaram que, de facto, se tratava dos restos do_Anjo Branco. Depois já não teve direito a novo enterro. A carcaça foi entregue ao Gabinete de Estudos Forenses da Universidade de São Paulo para servir de material de trabalho aos alunos. Talvez fosse mais justo que lhe fizessem a autópsia ainda em vida. E a sangue frio…