A morte do filho

A tragédia familiar de Ernst Jünger (1895–1998) é um exemplo de superação inspirador.

No dia 8 de Dezembro de 1944, o escritor alemão Ernst Jünger escreve no seu Diário: «No correio, a carta há muito esperada do Ernstel, que se encontra numa pequena cidade da Itália do Norte. Estou contente que o tenham levado para esta frente. Ele escreve que está a ler a Chartreuse de Parme numa edição francesa.» Sempre me impressionaram estas linhas, porque nesta data Ernstel já estava morto. Deixara o mundo dos vivos no dia 29 de Novembro de 1944, com apenas 18 anos, e o pai só o saberia no ano seguinte.

A 8 de Janeiro de 1945, Jünger termina a sua entrada no Diário com uma frase que antecipa o pior: «Continuo sem cartas do Ernstel.» Três dias depois receberia a notícia e as entradas seguintes revelam o seu sofrimento. Há uma frase lapidar em que o sintetiza: «A dor é como uma chuva que começa a cair em força e depois penetra lentamente no solo.»

Ernst Jünger visitaria o local em que o seu filho mais velho fora enterrado, perto de Carrara, em 1951, onde se deteve prolongadamente fitando as falésias de mármore, para depois escrever: «Que lugar escolheu ele!» Hoje, Ernstel repousa na campa de família, no cemitério de Wilflingen, junto ao seu pai.

Foi exactamente com a notável obra Sobre as Falésias de Mármore, escrita e publicada em 1939, que entrei no mundo Jüngeriano de onde nunca mais saí. As suas primeiras frases, que li adolescente na tradução feita por Rafael Gomes Filipe, têm um impacto que se prolonga no tempo e ganha cada vez mais sentido com a idade: «Todos conheceis a intratável melancolia que se apodera de nós ao recordarmos tempos felizes. Estes, porém, pertencem irrevogavelmente ao passado, e deles nos separa a mais impiedosa das distâncias.» Que lição de vida implacável!

Quando o grande mestre das letras alemão completou um século de vida, foi entrevistado por Antonio Gnoli e Franco Volpi, que publicaram as conversas em 1997, com o título I prossimi Titani (Os próximos Titãs). Sobre a morte do filho, confessa: «Parece-me ainda vê-lo quando íamos juntos passear pelo campo falando de qualquer tipo de coisas, desde os problemas quotidianos até aos mais elevados da metafísica. Ele, tão jovem, dizia-me: “A curiosidade pelas coisas do além é tão grande que quase não vejo a hora de morrer.” Depois chegou-me a notícia da sua morte. Foi um momento angustiante e muito difícil.»

Pese embora o sofrimento, Jünger encarava a morte como o momento em que a vida passa a uma outra forma e afirmava, nessa entrevista, que «a morte não é um fim, mas um recomeçar da vida». No entanto, ainda que considerasse que «a vida depois da morte é como um continente inexplorado», quando questionado sobre se acreditava num além, deixou a dúvida: «Gostaria de poder fazê-lo. Mas com que instrumentos?»

Numa das minhas idas à Jünger-Haus, hoje museificada, fui ao cemitério de Wilflingen para visitar a campa familiar e o meu primeiro pensamento foi para a guerra fratricida que fez nascer um escritor e para a que, a seguir, ceifou a vida do seu filho. Mas, ao sair, recordei uma imagem que qualquer pai grava na memória. Uma fotografia de Ernstel e Ernst Jünger num momento de lazer em Maiorca, em 1931, onde ambos estão de roupão à beira-mar. Um instantâneo quase cinematográfico de celebração da relação entre pai e filho, tão melancólico como distante.