Conheci Mário Soares após o Congresso do Porto, onde o CDS foi sitiado, um momento que considero ter marcado a história do processo revolucionário português.
Foi aí que, pela primeira vez, nos deparámos com um ataque violento a um partido que se pretendia e intitulava como não socialista.
Na altura, a questão que se colocava na mesa era saber se a Revolução de Abril tinha sido democrática ou se, pelo contrário, era uma revolução totalitária que só tinha um caminho e um partido. Depois de sermos libertados, achou-se que o CDS devia falar com Mário Soares, que prontamente nos recebeu.
Desse encontro, recordo, foi notório que Mário Soares compreendeu a gravidade do que tinha acontecido, manifestando solidariedade e dizendo que «a revolução não foi feita para isto». Este foi um momento importante para nós porque o país estava virado para o radicalismo e a intolerância era total para com a única força que se apresentava como democrata-cristã.
Mário Soares, embora líder de um partido de esquerda integrado no processo da Revolução de Abril, entendia que o pluralismo próprio da democracia obrigava a respeitar o direito à diferença e a conceder plena legitimidade democrática ao CDS. Foi aí que tivemos a certeza de que o PS estava em boas mãos, que aquele era um partido guardião da Liberdade de Abril, em tudo o que ela significava. não enfileirava num só caminho.
O meu percurso cruzou-se então com o de Mário Soares na Assembleia Constituinte e na formação do II Governo Constitucional, negociado ainda na velha sede do PS na Rua da Emenda. Esse Governo, formado por democratas-cristãos e socialistas, prova que, nesse tempo, o diálogo se impunha à formação de blocos, que o interesse nacional se sobrepunha às simples aspirações pessoais ou partidárias.
Foi nesse caminho político que se forjou, entre mim e Mário Soares, uma solidariedade democrática que depois se projetou numa amizade pessoal.
E foi nesse caminho que tivemos um grande confronto político, quando fui candidato presidencial. No âmbito dessa candidatura, travei um debate com o Dr. Mário Soares que pôs à prova essa solidariedade democrática e amizade pessoal.
Contudo, para se ter ideia da pessoa que era Mário Soares, não obstante a campanha e esse debate controverso, aceitou ser Número Um da comissão de honra na minha candidatura à Câmara Municipal de Sintra, em conjunto com Jorge Sampaio e Diogo Freitas do Amaral.
Mário Soares é, antes e depois do 25 de Abril, um exemplo de coragem na defesa da liberdade e da democracia. E é, sem dúvida, uma figura que fica, pelos valores que representa, indelevelmente na história da democracia portuguesa.
Mário Soares sempre será o homem que encarnava o verdadeiro espírito democrático, compreendendo que a democracia se baseia no respeito pela diversidade de opiniões e na defesa intransigente dos direitos e liberdades de todos os cidadãos.
Celebrar o centenário do seu nascimento é, pois, recordar o homem, o político e o estadista e o impacto do seu legado na construção de um Portugal livre e democrático.
Presidente da Câmara Municipal de Sintra