Na semana passada escrevi sobre como o PSD se vem afastando da sua matriz social-democrata original e, progressivamente, assumindo um posicionamento mais à direita no sistema partidário português.
Não por acaso, ao longo destes anos, o PS, mesmo o da ‘geringonça’, ocupou o espaço ao centro. Curiosamente, a liderança atual do PS, por ideologia e pela conjuntura do PSD ser governo, liderado por um dos seus últimos sociais-democratas, também encostou à sua esquerda. Sobre este facto, note-se que a liderança do PS atual resulta de algumas lideranças da Juventude Socialista, o que indicia uma tendência.
Este afastamento de PSD e PS do centro leva-nos a uma condição de ‘trono vazio’. Nos sistemas demoliberais tradicionais, o centro político ocupa o ‘trono’, leia-se o poder. Um pouco mais à esquerda ou um pouco mais à direita, é o centro político quem detém as chaves do poder. Na situação atual, ambos os partidos estão a abdicar do centro, podendo deixar vago o ‘trono’.
O afastamento do centro nota-se num certo afastamento por parte de PSD e PS das questões que mais preocupam os portugueses, procurando combater os seus extremos no território destes, lutando por nichos. Ora, quando um grande luta com um pequeno no território deste, passamos a ver como que um exército a combater guerrilheiros: é muito difícil vencer.
Não é por acaso que se sente o progressivo afastamento do eleitorado do centro dos partidos que costumavam estar ao centro. Esse facto é evidente em alguns factos: no engrossar dos indecisos antes das eleições, no aumento da percentagem do eleitorado flutuante (disponível a ajustar o seu sentido de voto), no crescimento evidente dos municípios que elegem candidatos independentes e, agora, para pânico dos que acreditavam ser ‘donos do regime’, com a possibilidade de um militar de carreira, como tal, sem percurso político, ser o favorito na eleição para Presidente da República, mesmo contra candidatos com décadas de vida pública.
Quando ex-primeiro-ministros, ex-ministros e um ex-presidente da Comissão Europeia estão, em sondagens para a Presidência da República, atrás de alguém de quem pouco mais se sabe, para além de ser um militar com uma folha de serviços exemplar ao serviço da República, e que se tornou conhecido pelo seu trabalho durante a pandemia da covid-19, algo não está bem.
O que não está nada bem é o facto de os partidos não perceberem como se afastaram do Povo e, decorrente disso, não compreenderem ‘os nossos atuais descontentamentos’. O eleitorado que flutua decorre, muito simplesmente, das instituições intermediárias não estarem a fazer o seu papel na sociedade: a base sociológica do centro não sente correspondência partidária.
Acreditar que o resultado dos populistas, ora à esquerda, ora à direita, corresponde matematicamente aos votos que conjunturalmente obtêm é irreal. Portugal não tem uma fatia larga de radicais de esquerda ou uma fatia imensa de radicais de direita. Tem, sim, uma fatia enorme de descontentes com o percurso recente do país, e não tem força moderada para votar.
O tema é, cada vez mais, recorrente: PS e PSD deixaram o trono vazio. Ou se reinventam, ou será necessário inventar quem o ocupe.
Um trono vazio
O afastamento do centro nota-se num certo afastamento por parte de PSD e PS das questões que mais preocupam os portugueses…