Até Quando Esta Desorganização Enquanto Povo?

A cada Inverno é o caos nos hospitais, com pessoas a pernoitar em macas, em corredores, e dias a fio por falta de camas de internamento disponíveis.

Há pouco mais de 20 anos, a instituição que lidero (e que tem a presidência da ANCC), abriu o seu primeiro Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) em Sintra. Rapidamente abrimos mais dois, sendo que muitas das vagas que disponibilizámos à época, eram para libertar camas do HFF (conhecido por Hospital Amadora-Sintra). Ajudámos, inclusive, muitas pessoas a falecer nas suas casas, umas vezes apenas com o nosso apoio, outras vezes com o apoio dos centros de saúde.

Nos últimos 20 anos muitas coisas mudaram, alterações legislativas, a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), a qual, na minha opinião, foi a maior evolução no sistema de Saúde Português desde que foi criado o SNS.

No entanto, constato que nestes anos mais recentes deixámos de conseguir apoiar o HFF na libertação de camas para o domicílio. Mas porquê? Antigamente o SAD era comparticipado (como ainda hoje é) por utente, sendo definido um quadro de recursos humanos para X utentes. Numa lógica de boa gestão acabávamos por apoiar mais utentes do que estava acordado com a Segurança Social (SS). Envolvíamos a família no tratamento da roupa e na limpeza da casa e era uma forma também de ter a família “por perto”. Entretanto a legislação do SAD alterou-se. Obrigaram-nos a prestar mais serviços aos utentes do que aqueles que verdadeiramente estes precisavam e muitos dos familiares demitiram-se das suas responsabilidades, passámos a apoiar apenas e só os utentes que estão contratualizados. Esta situação é de tal maneira ridícula que houve IPSS a serem multadas pelos serviços da SS, apenas e só porque geriam bem e o seu apoio chegava a mais pessoas.

Este exemplo serve para ilustrar o ponto onde quero chegar. Má legislação e falta de articulação entre serviços, resulta em pior serviço ao cidadão e mais despesa para o Estado, ou seja, para os contribuintes. Passo a explicar.

É por demais conhecido que os hospitais têm aproximadamente 9% a 10% de internamentos indevidos, ou seja, pessoas que estão no hospital e podiam estar em cuidados continuados, em ERPI ou em casa. A cada Inverno é o caos nos hospitais, com pessoas a pernoitar em macas, em corredores, e dias a fio por falta de camas de internamento disponíveis. Em muitos hospitais, este tipo de situações já acontece sem ser no Inverno.

Por sua vez, a RNCCI tem entre 33% a 37% de internamentos indevidos. Não há vagas suficientes em lado nenhum: Hospitais, RNCCI, ERPI ou SAD.

A resposta SAD é a mais barata de todas, seguida da ERPI, depois a RNCCI e depois a mais cara de todas, o internamento hospitalar. O lógico seria dar a melhor resposta ao cidadão (que este tivesse o apoio que precisa) gastando o menos dinheiro possível. Mas não. A título de exemplo, no segundo concelho mais populoso do País – Sintra, não há mais vagas para SAD há mais de uma década. O mesmo se passa em muitas zonas do País. Em ERPI tem crescido muito pouco. Na RNCCI também. No entanto na RNCCI pretende-se atingir mais 5.500 camas com verbas do PRR, mas com os atrasos provocados pelo anterior governo e pelo facto de este não ter tratado esta questão com mais urgência, correm o risco de ficar no papel – nem mais camas que fazem falta nem dinheiro a fundo perdido para o País. Basta fazer contas simples de somar e subtrair para perceber que se estão aproximadamente 1300 pessoas a aguardar vaga para a RNCCI (sendo que o total é de cerca de 4.000 devido à avaliação de processos que está muito atrasada) e que mais de 1/3 das 9.700 camas da RNCCI estão ocupadas com internamentos indevidos, a resolução desta situação quase chegava para cobrir a lista de espera (a total). Precisamos mesmo de mais 5.500 camas de cuidados continuados? Talvez precisemos de algumas mais (nunca 5.500), mas por força de estarem muitas pessoas em ERPI e que deviam estar na RNCCI; o mesmo se aplica a pessoas que estão em casa, mas que deviam estar na RNCCI.

Ou seja, o que pretendo demonstrar é a falta de articulação entre o Governo e as entidades que gerem estes assuntos no terreno, bem como a falta de articulação entre diferentes entidades (sejam elas públicas ou privadas) para dar o melhor destino ao utente. Sugiro que haja uma única entidade a gerir isto tudo e que se comece por criar mais vagas nas respostas sociais de SAD e ERPI – como forma de libertar os hospitais e a RNCCI. Só depois disto ser feito é que verdadeiramente iremos perceber as necessidades ao nível das respostas puramente de saúde.

Enquanto não é feito, os contribuintes gastam mais do que o necessário e estamos a desperdiçar dinheiro, o qual podia ser mais bem aplicado – pagando justamente as respostas sociais e a RNCCI. Enquanto cidadãos, precisamos da melhor resposta adequada à nossa necessidade e condição. Só assim faz sentido. O que requere capacidade de liderança, boa gestão e visão. O que lamentavelmente tem faltado.

Concluindo, em Portugal os decisores políticos não estudam nada, não pedem opinião a quem está no terreno, não medem coisa nenhuma. Decidem porque sim. Talvez o motivo se prenda com o facto de viverem na bolha dos partidos políticos e nunca tenham tido qualquer experiência de trabalho/vida a sério. As consequências estão à vista. Gasta-se demasiado dinheiro e os problemas além de não se resolveram, agravam-se. Até quando seremos esta desorganização enquanto povo?

Presidente da ANCC