O cientista louco

Figuras reais como Nikola Tesla e Robert Oppenheimer não deixaram de ser associadas ao arquétipo do cientista louco.

Frankenstein, ou o Prometeu Moderno (1818), da britânica Mary Shelley, uma das obras mais importantes da literatura gótica e da ficção científica, relata a história do brilhante e ambicioso estudante de medicina Victor Frankenstein, que cria um corpo a partir de partes de cadáveres e lhe dá vida através de eletricidade. A criatura monstruosa, rejeitada até pelo seu próprio criador, vinga-se matando familiares e amigos dele. O romance, como o subtítulo indica, transpõe para os tempos modernos o mito grego de Prometeu – o Titã que moldou os humanos a partir do barro e lhes conferiu vida, e que, por ousar oferecer-lhes o fogo divino, desafiou Zeus. No entanto, a ideia de criação de vida artificial está presente noutros mitos da Antiguidade, como o de Pigmalião – um escultor que se apaixona pela sua própria estátua, a qual ganha vida por intervenção de Afrodite – assim como no de Golem, da tradição judaica, que narra a formação de uma criatura de barro animada por poderes divinos.

O romance de Shelley (imagem) foi publicado numa época de grandes avanços no conhecimento sobre a eletricidade. Antes disso, em 1780, o italiano Luigi Galvani, ao observar que os músculos de uma rã morta se contraíam quando tocados por dois metais diferentes, deu origem ao conceito de ‘eletricidade animal’. Por sua vez, Alessandro Volta, seu compatriota e contemporâneo, em 1800 inventou a pilha elétrica – composta por discos de zinco e de cobre empilhados alternadamente –, e, nesse mesmo ano, os britânicos Nicholson e Carlisle realizaram a eletrólise da água, processo que gera oxigénio e hidrogénio gasosos. Pouco depois, Humphry Davy, recorrendo à eletrólise de sais fundidos, isolou elementos químicos como o sódio, o potássio e o cálcio.

A fantasia de criar vida artificialmente tinha outro importante antecedente: no século XVI, o alquimista suíço Paracelso acreditara ser possível produzir uma versão miniaturizada do ser humano, o chamado homúnculo, estritamente por processos laboratoriais. Entre as experiências que realizou para esse efeito, contou-se a de ter deixado esperma em contacto com excremento de cavalo durante quarenta dias. O homúnculo surge em Fausto – Parte II (1832), de Goethe. Descrito como um ser microscópico e luminoso, confinado a um frasco, mas dotado de inteligência e consciência, simbolizava a aspiração humana de imitar ou desafiar as forças da Natureza ou até de Deus.

Já no século XX, e nos nossos dias, os mitos prometeicos – recordando-nos os limites da ambição e do conhecimento humanos – expandiram-se para novos meios de expressão e entretenimento. Filmes como Metropolis (1927) – que explora os riscos da tecnologia como força de opressão para a sociedade, ao mesmo tempo que sugere que, se usada de forma ética, pode ser uma ferramenta útil de transformação social –, Jurassic Park (1993) – uma reflexão sobre os perigos do excesso de confiança humana e as complexidades éticas que acompanham o progresso científico – The Matrix (1999), que explora os riscos e desafios éticos do avanço tecnológico, questionando o controle da realidade, a liberdade humana e os limites da IA –, são disso exemplos.

Na cultura popular, aspetos como os avanços científicos e as suas consequências, o medo do desconhecido e do poder transformador do conhecimento, além do questionamento ético e moral sobre os limites da ciência, levaram ao aparecimento da figura do ‘cientista louco’, que tanto pode ser o excêntrico e simpático Emmett Brown, do filme Regresso ao Futuro (1985) – inventor de uma máquina do tempo – como o sombrio Dr. Henry Jekyll, do romance O Médico e o Monstro (1886) de Robert Louis Stevenson, que cria uma poção que o transforma em Edward Hyde, uma personalidade cruel e imoral.

Figuras reais como o sérvio-americano Nikola Tesla (1856-1943) – conhecido pelas suas contribuições revolucionárias no campo da eletricidade e do magnetismo, em particular pelo seu trabalho com a corrente alternada, que se tornou a base para a distribuição de eletricidade moderna – e o físico norte-americano Robert Oppenheimer (1904-1967) – líder científico do Projeto Manhattan, responsável pelo desenvolvimento da primeira bomba atómica – não deixaram de ser associadas ao arquétipo do cientista louco. Na atualidade, esta figura estereotipada assumiu novos contornos: o ‘empresário visionário’, que, em vez de criar vida ou destruição num laboratório, lança inovações tecnológicas disruptivas. O melhor exemplo disso é Elon Musk, que, à frente da Tesla, transforma a mobilidade elétrica e, com a SpaceX, alimenta o sonho de colonizar Marte.

Será a IA o cientista louco do futuro?

Químico