Para que haja Natal

Para que haja Natal, não se pode continuar a assistir àquelas imagens televisivas de destruição e de terror onde os seres humanos nada valem e a força das armas vai prevalecendo.

O mês de dezembro, quer se queira quer não, por mais voltas que se dêem, acaba por estar sempre associado ao Natal. E que Natal? O Natal exterior, das luzes, das festas, das prendas e da comida, para onde somos subtilmente desafiados numa perspetiva de consumismo? Ou o Natal interior, o verdadeiro, o da fraternidade, da partilha e do amor, que nos convida a construir o presépio no nosso coração, à semelhança do Outro que aconteceu há muitos anos em Belém?
Mas, para que haja Natal, é fundamental haver paz – e essa paz, por vezes, anda bem distante do coração dos homens, tal como tristemente vai acontecendo lá longe, nas guerras da Ucrânia e do Médio Oriente, que parecem não ter fim. Para que haja Natal, não se pode continuar a assistir àquelas imagens televisivas de destruição e de terror, onde os seres humanos nada valem e a força das armas vai prevalecendo.
Fora desses cenários, e olhando apenas para a rotina do nosso dia a dia, para que haja Natal é preciso intervir nesta sociedade. Se a sociedade somos todos nós, terá de ser cada um a fazer o seu trabalho e a dar o seu contributo para modificar comportamentos, atitudes, orientações e mentalidades. Ouve dizer-se com frequência que a sociedade está doente – e, analisando o comportamento dos homens em função das normas por ela definidas, chegamos facilmente a essa conclusão.
As pessoas vivem cada vez mais afastadas umas das outras, se não mesmo de costas viradas umas para as outras, e relacionam-se apenas por razões de conveniência de momento, ao contrário do que acontecia noutros tempos, em que as convicções estavam acima de tudo.
A comunicação é feita apenas através de curtas mensagens escritas no telemóvel, que muitas vezes não têm sequer resposta. Chamadas telefónicas já não se usam – e agradecer o que quer que seja a alguém é coisa do passado. É assim a vida hoje.
O contacto humano pobre, as palavras escassas e as novas tecnologias vão tomando conta de tudo. Se para um jovem que já nasceu neste ‘novo mundo’ não há qualquer dificuldade em corresponder às exigências tecnológicas, para um idoso é quase impossível acompanhar o passo acelerado do progresso. Como é difícil, para um idoso, fazer um pagamento numa caixa automática? Como é difícil fazer uma marcação para uma consulta por telefone, falando para uma máquina? Que dificuldades não sentirá ao ser obrigado a utilizar correio eletrónico? E que resposta tem a sociedade para dar a estes casos? Nenhuma! São esquecidos e abandonados à sua sorte.
A minha vida profissional também foi afetada, e os doentes queixam-se – e com razão! – do modo como são atendidos. Se as novas regras em vigor, só por si, já condicionam um trabalho noutros moldes, as alterações forçadas pela pandemia vieram agravar ainda mais a situação. É triste ouvir dizer expressões como «O meu médico nem fala comigo», «Agora as consultas são quase todas por telefone», «Na consulta foi tudo a correr e nem sequer fui observado». São os sinais dos tempos aplicados à medicina, que é necessário combater e modificar, custe o que custar.
O convite que aqui deixo a pensar na época que se aproxima, e que está ao alcance de qualquer um, é este: ir ao encontro do outro. Saber ouvir, procurar entender, ser capaz de acolher e ajudar. De um modo especial, pensemos nos idosos, naqueles que têm problemas e que estão sequiosos de quem lhes estenda a mão; e nas crianças, as grandes vítimas destas convulsões da sociedade, onde se vão perdendo valores.
Se conseguirmos fazer qualquer coisa, por mais pequena que seja, a um destes seres humanos, e lhes abrirmos as mãos como o Menino Jesus nos abre os braços no Presépio, estamos a renovar a sociedade, a lutar por um mundo melhor e a contribuir verdadeiramente ‘Para que haja Natal!’. l