Uma vergonha inaceitável para o ténis português

O que deveria ser um momento de celebração democrática e renovação, em vésperas do centenário da FPT, transforma-se numa demonstração de como interesses pessoais podem suplantar o bem comum.

Escrevo este artigo com um sentido de urgência e indignação, motivado por uma situação que ultrapassa o que seria aceitável numa democracia desportiva moderna. O ténis português, modalidade que tanto me deu e à qual dediquei décadas da minha vida, está em risco de se tornar um palco de manipulações e fraudes que ferem os princípios básicos da ética e da verdade desportiva. Não se trata apenas de uma crise institucional na Federação Portuguesa de Ténis (FPT); estamos perante uma grave violação da lei e uma afronta ao desporto.

No dia 2 de dezembro de 2024, apresentei formalmente uma queixa ao Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), com cópias enviadas ao secretário de Estado do Desporto, ao presidente do Conselho Nacional do Desporto, ao presidente do Tribunal Arbitral do Desporto, ao presidente do Conselho Nacional para a Integridade do Desporto e ao Procurador-Geral da República. Esta denúncia solicita intervenção urgente para impedir que a próxima eleição da FPT, marcada para o dia de amanhã, 7 de dezembro, consolide uma verdadeira fraude à lei.

A limitação de mandatos visa evitar perpetuações no poder, promovendo a salubridade, integridade e democraticidade nas federações desportivas, que são, por definição, de interesse público. Contudo, o atual presidente da FPT, Vasco Costa, que completou três mandatos consecutivos, articula uma estratégia para se manter no controlo absoluto da Federação, assumindo um cargo executivo como Secretário-Geral. Este esquema, já assumido publicamente, permite que Vasco Costa continue a gerir ‘toda a parte operacional’, enquanto João Paulo Santos, candidato a presidente, se encarrega apenas da representação institucional.

Tal configuração não é apenas uma violação ética; é uma fraude à lei, como definida pela doutrina jurídica e jurisprudência nacional. A fraude à lei ocorre quando, sob a aparência de conformidade legal, se obtém um resultado que a legislação pretendeu proibir. Este é exatamente o caso: ao criar um novo cargo executivo, preserva-se o poder de Vasco Costa, contornando a proibição legal de recandidatura. É a perpetuação do mesmo poder sob outra designação, uma verdadeira ‘dança de cadeiras’ que desrespeita o espírito democrático que deve reger as federações desportivas.

As recentes declarações de João Paulo Santos, candidato único à presidência, são de uma gravidade inaceitável. Segundo ele, «não fazia sentido nenhum não aproveitar o Vasco com o know-how que ele tem» e «não é contornar a lei porque quem manda sou eu e, se houver algum problema, sou eu que respondo». Estas palavras, longe de justificar a manobra, apenas expõem o desprezo pelos valores que regem o desporto e o compromisso com a transparência.

Mais alarmante ainda é a forma como o processo eleitoral foi conduzido. As associações regionais que consideraram apresentar listas concorrentes acabaram por desistir devido ao apoio antecipado e esmagador à lista de João Paulo Santos, promovida por Vasco Costa. Este tipo de ambiente não apenas elimina a possibilidade de renovação, mas também perpetua uma cultura de poder centralizado e opaco.

O desporto, como atividade de interesse público, carrega consigo a responsabilidade de ser um exemplo de ética e integridade. A Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, e a recente Lei n.º 14/2024, de 19 de janeiro, são claras ao estipular que todos os agentes desportivos devem respeitar os valores da verdade, lealdade e correção. O IPDJ tem o dever de promover medidas preventivas e repressivas para garantir que tais princípios sejam respeitados. Contudo, até agora, a resposta das autoridades tem sido insuficiente.

Com um orçamento projetado de 12,5 milhões de euros para 2025 – o segundo maior entre as federações nacionais, superado apenas pelo futebol – a FPT tem uma responsabilidade acrescida para com o desenvolvimento da modalidade. No entanto, os recursos provenientes das apostas desportivas online, que representam 66,38% das receitas, não se têm traduzido em melhorias significativas para os clubes e atletas. Em vez disso, o foco parece estar na manutenção de um sistema fechado e privilegiado.

A perpetuação do atual modelo de gestão compromete o futuro do ténis português. O que deveria ser um momento de celebração democrática e renovação, em vésperas do centenário da FPT, transforma-se numa demonstração de como interesses pessoais podem suplantar o bem comum.

Não podemos aceitar que o ténis, uma modalidade que tanto nos deu e que tanto representa, seja reduzido a este estado de coisas. Apelo às autoridades públicas, à comunidade desportiva e a todos os que partilham o amor pelo desporto: este é o momento de agir. Não se trata apenas de um problema interno da FPT; é uma questão que diz respeito a todos nós, enquanto defensores da ética e da justiça.

O desporto, sem integridade, não é desporto. É manipulação, é traição, é engano. Não podemos permitir que este exemplo de fraude à lei se concretize. Levantem-se, questionem, denunciem. O futuro do ténis português depende da coragem de todos nós.