Canhão da Nazaré volta a agitar-se

As imagens de surfistas a desafiarem as ondas gigantes da Praia do Norte são das mais impressionantes do desporto. Os destemidos big riders estão de volta ao nosso país para enfrentar o mar bravio, que só de ver mete medo. Há 20 anos, a referência das ondas grandes era o Havai, hoje é Portugal.

A época do Big Wave Challenge abriu a 1 de novembro e termina a 31 de março de 2025. Durante esse período algo de muito especial vai acontecer na Praia do Norte por influência das tempestades de inverno que ocorrem no norte do Oceano Atlântico e desencadeiam uma série de fenómenos marítimos. Quando surgir um swell colossal os big riders (surfistas de ondas grandes) fazem-se ao mar e descem por uma parede de água que pode chegar aos 30 metros de altura. São ondas dignas dos surfistas mais habilidosos do planeta e com uma mentalidade muito própria.
O promontório da Nazaré separa duas praias completamente diferentes. De um lado fica a praia principal, com águas relativamente calmas e um extenso areal, do outro lado temos a Praia do Norte, mundialmente famosa pelas assustadoras ondas originadas pelo Canhão da Nazaré, um desfiladeiro com cinco quilómetros de profundidade e 230 de extensão, capaz de gerar as maiores ondas do planeta.
O robusto Forte de São Miguel Arcanjo até parece estremecer com as monstruosas ondas vinda de diferentes direções a estourar nas rochas, é um espetáculo assustador e inebriante. Pouquíssimos seres humanos têm a coragem e a habilidade necessárias para enfrentar as paredes de água que se elevam na Praia do Norte durante o inverno. É aqui que os surfistas vêm lutar contra as maiores e mais retorcidas ondas do mundo e arriscar as suas vidas na busca de sensações únicas e, talvez, de um recorde. De notar que as ondas atualmente consideradas normais foram as maiores já surfadas há apenas cinco anos.
Entrar nesse mar gelado e furioso é algo de extraordinário. É curioso verificar que os nomes mais famosos do circuito mundial de surf nem se aproximam da Nazaré pela simples razão de que estas ondas exigem técnicas diferentes, embora alguns “loucos” arrisquem fazer no topo das ondas gigantes as manobras do surf convencional. O desafio é proporcional ao risco e todos estão conscientes disso. As ondas estão cada vez maiores, mas o nível dos surfistas também, como frisou Garrett McNamara no início do ano: «O nível está muito alto e há jovens surfistas a elevar a fasquia nestas ondas. É bom observar de terra os jovens a realizar manobras que antes eram impensáveis em ondas deste tamanho».

Surf de equipa
Os responsáveis da World Surf League (WSL) estão a monitorizar permanentemente as ondas e as condições necessárias para realizar o Big Wave Challenge 2024/25. Quando as condições meteorológicas forem favoráveis, a WSL emitirá um ‘alerta amarelo’ com 72 horas de antecedência. Se as condições continuarem favoráveis, será emitido o ‘alerta verde’ 24 horas antes de os surfistas irem para o mar. Apesar de não ser o surf a que estamos habituados, o tow in é uma forma de surfar altamente reconhecida e profissionalizada em que o surfista é levado para o topo da onda por um jet ski conduzido pelo colega de equipa.
A competição vai ser disputada por nove equipas, cada uma com dois elementos. Cada equipa vai disputar dois heats de 40 minutos e os surfistas vão alternar em cada heat entre surfar e pilotar o jet ski. A ligação deve ser perfeita para que ambos regressem em segurança e com um bom resultado no final do dia. Contam para a pontuação final de cada surfista as duas melhores ondas, sendo que a melhor vale a dobrar. Quando estão a competir, todos os surfistas têm em terra elementos que passam informações, via rádio, para os pilotos dos jet skis sobre as ondas que vêm a seguir, esse trabalho é fundamental para apanharem as melhores ondas que valem pontos.
Os convidados da WSL para a próxima edição são: Team 1: António Laureano e Maya Gabeira, Team 2: Michelle des Bouillons e Ian Cosenza, Team 3: Justine Dupont e Éric Rebière, Team 4: Lucas ‘Chumbo’ Chianca e Pedro ‘Scooby’ Vianna, Team 5: Clement Roseyro e Nic von Rupp, Team 6: Rodrigo Koxa e Vitor Faria, Team 7: Rafael Tapia e Pierre Rollet, Team 8: Kai Lenny e Ian Walsh. Destaque para o Team 9 composto pelos pioneiros das ondas gigantes da Nazaré Garrett McNamara e Andrew Cotton, que trazem anos de experiência à competição.
Para surfar ondas grandes e perigosas é necessária experiência, preparação física, conhecimento do mar e muito treino. Além disso, é indispensável muita força de vontade, comprometimento e garra. Nas últimas semanas, têm sido muitos os surfistas que aproveitaram o bom swell na Praia do Norte para se prepararem para as grandes ondulações que estão para vir.

Nic von Rupp nasceu em Portugal, começou a surfar com apenas nove anos e a sua dedicação inabalável encaminhou-o para uma carreira de júnior bem-sucedida, conquistando títulos nacionais e internacionais. Explicou ao Nascer do SOL a sua paixão pelo surf de forma simples: «Desporto, natureza, emoções e amigos fazem do surf mais do que um simples desporto, é um estilo de vida», disse. Em 2013, foi nomeado European Surfer of the Year e, em 2015, sagrou-se vice-campeão do mundo, na Nicarágua. «O triunfo só existe para quem supera os desafios. É preciso arriscar tudo e trabalhar arduamente todos os dias», referiu Nic von Rupp, que ganhou a reputação de surfista ousado. Atualmente, é o maior especialista português de ondas gigantes e vai defender as cores nacionais, fazendo equipa com o francês Clement Roseyro. Uma dupla que tem a mesma perspetiva e abordagem sobre como apanhar uma onda e que ondas escolher e que ficou em segundo lugar na edição de 2023/24. Os objetivos para este ano são «vencer mais desafios, bater recordes mundiais do Guinness, desenvolver o desporto e encontrar novas ondas grandes», afirmou. Nic von Rupp começou a frequentar a Nazaré com 14 anos e considerou o mar da Praia do Norte diferente de qualquer outro no mundo. «É uma espécie de duelo entre o homem e a natureza. É um monstro que vem na nossa direção e está ali para te comer vivo», explicou o big rider, que adiantou: «Sempre gostei de desafios em condições extremas, isso levou-me a surfar as maiores ondas do mundo. Depois de dar este passo, não consegui desistir». Cavalgar as maiores ondas do mundo transmite sensações contraditórias «surfar essa onda são geralmente 10 a 15 segundos, mas parece uma eternidade». Os big riders quando descem a onda vão num estado de flow, mas quando chegam à base e começam a ver a sombra da onda a ultrapassá-los a coisa fica negra e, dizem, é das sensações mais arrepiantes que pode existir. Quando acaba, o misto de medo e excitação dá lugar a uma enorme felicidade e alívio.
Uma boa forma física e força mental são fundamentais para enfrentar o desafio das ondas grandes. Todos os surfistas sabem bem o risco que correm: «É uma sensação especial sair da zona de conforto e lidar com o medo», e têm táticas de autodefesa, «um surfista deve estar preparado para não entrar em pânico, a melhor forma de sobreviver é manter a calma», explicou.