Querida avó,
Sabes que gosto imenso de viajar. Um dos meus lemas de vida é: “As pessoas não fazem as viagens, as viagens é que fazem as pessoas”. Creio que foi dito por John Steinbeck.
Uma das coisas que faço (quase) em todas as cidades que visito, inclusive em Portugal, é um “Walk Free Tour”
Habituei-me desde a primeira vez que fui a Londres. Isto há cerca de 30 anos. A oferta era imensa e para todos os gostos.
E não eram passeios banais, como ”assistir ao render da guarda” ou “um passeio por Hyde Park”.
Lembro-me por exemplo de ter participado num passeio pela “Londres de Jack, o Estripador”, um dos maiores assassinos de que há memória.
Com início às 7 da tarde (e convém não esquecer que, no inverno, sete da tarde em Londres é noite cerrada), garanto que, depois de se começar a ouvir uma voz, soturna, murmurando “ele apareceu silenciosamente pelas brumas pela meia-noite de 3 de agosto de 1888…” — não há ninguém que não sinta um calafrio pela espinha abaixo e que não jure ter sentido o seu bafo quente a rasar-lhe a nuca.
Às vezes há outros passeios — como, por exemplo, “a Londres de Óscar Wilde”, em que já nada existe daquilo de que se fala: teatros, casa da família, etc. E é muito engraçado ver uma data de pessoas, feitas parvas, a olhar para as traseiras de um prédio onde uma data de homens se afadigam em cargas e descargas e não entende por que está um bando de palermas a olhar para eles – porque evidentemente já tudo foi deitado abaixo.
Uma forma de visitarmos locais e ficar a saber mais sobre pessoas desaparecidas, mas que fazem parte da história de cada local.
Muitos nem se preocupam em saber quem foi a pessoa que dá nome à rua onde vivem, ou que estátua é aquela que está na praça mais próxima de casa.
Feliz Dia da Mãe – Sei que o celebras a 8 de dezembro, Dia de N.ª Sr.ª da Conceição.
Bjs
Querido neto,
Por falar em “Desaparecidos”, não sei o que me está a acontecer, mas, de repente, há amigos meus que desaparecem. Telefono — não atendem; deixo mensagem — não respondem.
Pura e simplesmente, desaparecem.
O primeiro foi o jornalista Paulo Correia da Fonseca, que era mesmo muito, muito nosso amigo. Houve alturas em que até viveu em nossa casa. Era crítico de televisão na mesma altura em que o meu marido também era. Mas cada um para seu jornal, claro. Até eu cheguei também a fazer crítica de televisão nessa altura – no meu caso, para o Diário Popular. Já eu vivia aqui na Ericeira e ainda ele me ligava todas as semanas. De repente, deixou de ligar. E nunca mais consegui falar com ele.
Uma amiga comum ligou-me um dia. Tinha ouvido dizer que ele tinha morrido, mas que ninguém tinha sabido quando, ninguém fôra ao enterro, e ninguém sabia onde estava enterrado.
Agora procuro uma família de apelido Frade. Um casal com uma filha. Éramos muito, muito amigos, víamo-nos quase todos os dias – e agora nem telefonemas, nem mensagens, nem Facebook, nada de nada. E eram todos muito mais novos que eu!
E uma jovem (quer dizer, agora deve andar aí pelos 50 anos…), que todas as semanas me escrevia e a quem eu respondia — e de repente começo a receber as minhas cartas devolvidas com a nota “desconhecida nesta morada”.
Eu percebo — e respeito — aqueles que eram muito conhecidos e, de repente, decidiram afastar-se da vida pública e não querem ver ninguém. Mas sabemos que estão vivos e de boa saúde.
Se por acaso (eu quase diria “por milagre”), souberes o que lhes aconteceu… diz-me!
Quanto ao “Dia da Mãe” … Aqui há uns anos, o dia 8 de dezembro, dia de N.ª Sr.ª da Conceição, era quando celebrávamos o Dia da Mãe.
Depois veio a Europa e essas coisas, e nunca mais ninguém se entendeu porque a data passou a ser móvel…
Assim ninguém se entende — e não tem graça nenhuma.
Bjs