Não é pelo facto de ter um nome assim, como direi?, um pouco para o rebuscado, que Oskar Dirlewanger, nascido em Würzburg, uma cidade na Baviera, mais propriamente na região de Franconia, onde se fala um dialecto, o franconiano, que Oskar Dirlewanger deixou de ser um assassino sem escrúpulos e um daqueles canalhas universais. Pode ter passado ao revés da História já que ninguém fala nele e não tem a fama de Himmler ou de Mengele, mas a sua lealdade ao PartidoNazi e ao Führer levaram-no a cometer crimes em barda, e alguns deles macabros, como o rapto de crianças. Na Polónia e na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas são-lhe creditadas milhares de mortes. Sim, leram bem, não meia-dúzia, não umas centenas, vá lá, mas milhares. Ora quem apresenta um cadastro desta dimensão só pode ser um depravado mental daqueles que só dão valor à própria vida.
Fundador da Dirlewanger Brigade, também conhecida por SS-Sturmbrigade Dirlewanger, alcunhada de Die Schwarzen Jäger, os Caçadores Negros, numa tradução literal, coube-lhe organizar assassinatos de membros de frentes de resistência à ocupação alemã na Europa de Leste. Ora esta brigada tinha uma particularidade sinistra: começou a ser constituída por carteiristas e acabou por acolher homicidas que se ganhavam bafio nos calabouços do Reich. Ou seja, aproveitava tudo, até a pior escumalha desse império que prometia durar mil anos. Dizem os canhenhos que se tratava da mais brutal unidade das SS, composta pelos mais frios e calculistas assassinos. Oskar, claro, orgulhava-se das suas funções. Chegado ao mundo no dia 16 de Setembro de 1895 (um ano terrível, com mães a parirem vários filhos com cérebros tenebrosos), Dirlewanger teve tempo para combater na I Grande Guerra. Saiu-se bem. Era temerário e feroz. Nas Ardenas aproveitou para mostrar que era um atirador exímio. Recebeu a Cruz de Ferro de 2.ª classe e logo a seguir a autêntica Cruz de Ferro que os soldados nazis tanto gostavam de exibir como se fossem colares. Além do mais chegou a tenente, o que não era nada mau para um jovem da sua idade. Knut Stang, no seu livro de título infinito, Der schwarze Stein: Fünfzehn Geschichten aus dem Krieg ohne Frieden (qualquer coisa como A Pedra Negra: Quinze Histórias da Guerra Sem Paz), descreve Oskar com vários e certeiros elogios: «Uma personalidade amoral, com alcoolismo profundo e orientação sexual sádica». Parece que a voracidade da guerra extremou esta visão de Dirlewanger. Ter combatido e morto muitos soldados inimigos fez-lhe, como acontece aos lobos, excitar-se com o cheiro do sangue.
O intervalo entre as duas Grandes Guerras atirou Oskar para um buraco medonho. A juntar às gargantuescas quantidades de álcool que consumia diariamente entrou no beco sem saída das drogas. O feitio da besta era insuportável. Com os níveis de agressividade num ponto alto arranjava tranquibérnias onde quer que estivesse. Foi preso várias vezes. Num dos relatórios policiais sobre este ser horrendo, é classificado assim: «Mentalmente instável, violento fanático e dependente de álcool, exibe um desprezo absoluto pela autoridade e pelas leis». Afinal os assassinos são todos ou quase todos assim: que se quilhe a autoridade, sou dono da existência de quem me apetecer! Quis elevar-se intelectualmente, como se isso fosse possível numa azêmola de cento e vinte e quatro patas. Inscreveu-se na Escola Comercial de Mannheim e não tardou a ser expulso pelas suas cavalares atitudes anti-semitas. A solução que inventou para colmatar o seu fracasso académico foi digna da sua mente tortuosa: criou um grupo para-militar de estudantes para andarem pela Alemanha a espancar todos os que fossem judeus ou tivessem simpatias comunistas. O seu ódio crescia à velocidade de um comboio desgovernado. Ainda assim, revoltado com a expulsão da Escola Comercial, inscreveu-se na Universidade Goethe de Frankfurt. Surpreendentemente as coisas correram-lhe pelo melhor: obteve um doutoramento em Ciência Política. Afinal a política alemã começava a mudar. Quem não mudava era Oskar: em 1934 foi condenado a dois anos de prisão por incitar a violência de um menor com o qual estava sexualmente envolvido. Quando o Partido Nazi chegou ao poder a sua alegria foi enorme. E não tardaram a premiá-lo como bom membro do partido oferecendo-lhe a direcção da Agência de Empregos de Heilbronn, uma cidade que fica no vale do rio Neckar. Não o contentava, mas Dirlewanger não tardaria a fazer-se notar. E a subir nas hierarquias do Estado. Mas iria demorar. Uma cavalgadura de tamanha envergadura só podia manter-se fiel a si próprio.
O explodir do monstro
Depois de ter cumprido a pena na prisão de Ludwigsburg, voltou a ser condenado por envolvimento sexual com menores. Alguns raptados por ele e mantidos no cativeiro no seu antro de porcarias.Perdeu tudo: o trabalho, os seus títulos académicos e as suas honras militares. A palavra honra não batia certo com o seu espírito dantesco. Foi encafuado do Campo de Concentração de Welzheim e expulso do partido. Desta vez parecia uma queda irreversível mas há que não minimizar a capacidade de sobrevivência de um tipo inescrupuloso.
Reclamando a sua libertação através dos conhecimentos que tinha no Partido Nacional Socialista, sobretudo Gottlob Christian Berger, outra figura asinina doReich e amigo pessoal de Himmler, Oskar acabou por se ver em liberdade e colocado na reserva das SS. Eis que Berger insiste com Heinrich Himmler, seu parceiro de atrocidades. E Dirlewanger sobe a comandante das SS-Hauptamt, responsável por quase todos os aspectos dessa organização para-militar. Intervém na Guerra Civil de Espanha. Berger continua a puxá-lo para cima e arranja-lhe lugar na Legião Condor, a mesma que perpetrou a destruição de Guernica. É promovido a Obersturmführer, que pode ser traduzido por Senior Tempestade Líder. E forma a Dirlewanger Brigade. Sentiu-se como uma espécie de deus dos porcos. Tomou a direcção do Campo de Trabalho de Stary Dzików, na Polónia. Teve descaramento para deixar de esconder a sua perversidade. Desviava as crianças (meninos e meninas) do campo para ter relações sexuais com elas e matando-as em seguida; mantinha o mesmo tipo de relações com as judias presas que escolhia a dedo e depois, farto delas, queimava-lhes os genitais; chicoteava e injectava estricnina quem lhe desse na gana; insistia para que os seus subordinados violassem todas as mulheres que estavam à beira da morte; fazia experiências imbecis tal como envenenar 57 judeus que partilhavam uma refeição; cozia corpos e misturava-os com carne de cavalo para fazer sabão. Continuava a abusar de estupefacientes e a beber este mundo e o outro. O monstro exibia a sua verdadeira face. E não era nada bonita de se ver.
Um ignaro desta dimensão não podia ter uma morte descansada. E não teve. Volta e meia a justiça divina cumpre a sua missão. No dia 1 de Junho de 1945 foi feito prisioneiro pelas tropas francesas em Altshausen. Já não andava à vontadinha agora que os amigos não o carregavam ao colo. Estava vestido como um maltrapilho e havia mudado de nome. Não enganou ninguém. Foi dado como morto cinco dias mais tarde. A serpente tem mil vidas. Durante esses cinco dias foi interrogado por psiquiatras e as conclusões não diferiam daquilo que todos os alemães sabiam. Um bêbado sexualmente pervertido que gostava de praticar actos grotescos com crianças e com cadáveres. Um assassino absolutamente psicopata e maléfico de uma crueldade a toda a prova. O historiador inglês Nikolaus Daniel Wachsmann, curiosamente nascido na Alemanha, escreveu: «Uma das mais odiosas criaturas do panteão dos assassinos nazis». Apesar de os franceses garantirem que morreu de ataque cardíaco e foi enterrado numa tumba sem nenhum registo da sua identidade, surgiram rumores de passara a viver no Cairo e orientava as forças de segurança de Nasser. O mistério nunca foi resolvido.