Recuemos à origem da mutação de um aeroporto de raiz para uma solução dual em Lisboa: a liberalização da aviação, finalizada na Europa em 1997, foi o que levou ao possante crescimento das empresas low cost, o que fez o turismo crescer e mudou o paradigma aeroportuário, criando múltiplas bases de ligações ponto-a-ponto.
Ora, nos anos oitenta, a escolha nacional ainda foi um aeroporto-HUB (Ota 1.250ha-2 pistas 3.600m), cujo projeto prosseguiu durante os sete anos do primeiro-ministro António Guterres, que se demitiu na viragem do século (2001).
1. Os primórdios da solução dual: na entrada de Durão Barroso (2002), a prática nos países ocidentais já era manter os existentes aeroportos perto da cidade (como Portela) a operar como citadinos e ampliar a capacidade através de bases aéreas disponíveis, enformando deste modo uma solução dual (como Milão).
ALVERCA era a base disponível (apenas uso OGMA) e foi com ela que uma empresa especialista de transportes (TIS) propôs à tutela um aeroporto complementar à Portela, no que foi secundado pelos ambientalistas (Quercus) que também preferiam essa solução. Para eles, a Ota era «um enorme elefante branco» e havia outras soluções «mais baratas, com melhor operacionalidade, ainda que mais pequenas, tal como a já existente pista de Alverca».
2. O primeiro-ministro José Sócrates deitou borda fora a solução dual para Lisboa: a TIS disponibilizou-se ao novo governo (abril 2005) para aprofundar a viabilidade de um aeroporto complementar em Alverca, onde destacava entre outras vantagens «sobretudo a moderna estação ferroviária e a proximidade a Lisboa através de vários tipos de transporte tornam a solução Alverca irrecusável» e, ainda, «ao contrário da megalomania da Ota, Portela + 1 é uma resposta adequada aos novos tempos da aviação e Alverca permite que qualquer passageiro demore apenas 15 a 20 minutos, de comboio, automóvel ou autocarro, até ao centro de Lisboa».
Mas Sócrates tinha outras ideias. E tanto o estudo TIS-Alverca complementar como o estudo ACP com continuidade Portela em solução dual, a poupar 3,6 mil milhões €, foram deitados fora.
3. Sócrates ‘pediu’ um estudo na margem sul, financiado por empresários: a pedido, em ação paralela ao Estado, uma vintena de empresários pagou à TIS a seleção do local para um aeroporto de raiz na margem sul e, assim, nasceu Alcochete, com 1.250 há, como a Ota. A seguir, Sócrates mandou fazer um comparativo só entre dois aeroportos de raiz, no qual Alcochete ganhou à Ota por 4-3 graças ao critério económico, que não somou o custo da gigante ponte Chelas-Barreiro, o enorme sobrecusto do desvio AV Lisboa-Porto pela margem sul (+50km) e a nova pista BA Montijo (orientação Alcochete fecha a pista NATO).
4. O período troika: Portugal entrou em colapso em 2008. Alcochete caiu e o 1.º PEC foi em março 2010, seguido de mais dois até o quarto ser chumbado. Sócrates demitiu-se (março 2011) e Passos Coelho apanhou com o resgate financeiro que forçou a vender ANA – Aeroportos (100%) e a retomar a solução dual, colocando-a no contrato de concessão à ANA.
5. A solução Portela + 1 sem encargos para o Estado: António Costa (2015) promoveu a solução dual da concessionária (com Montijo) sem plano B e aditou-a ao contrato. O apoio a António Costa subiu nas eleições seguintes (janeiro 2022), obtendo sozinho a maioria absoluta, com os partidos que apoiavam uma solução dual (PS, PSD e CDS) a obterem a larga maioria de 72,1% que, sobe para 84,2% adicionando Iniciativa Liberal e Chega.
6. O esconso retorno às comissões nomeadas e ao passado despesista: de repente, há um volte-face nos bastidores: é anulado o concurso internacional para selecionar a empresa que faria o comparativo das soluções aeroportuárias, e a tutela nomeia uma comissão (CTI) que no topo tem o anterior responsável pela estratégia (critérios) da escolha Alcochete, com o próprio ministro da tutela (PNS) a antecipar a decisão Alcochete (com posterior desmentido público de António Costa).
CTI retorna a José Sócrates ao não ligar ao custo; mas pior, agora também não liga ao prazo, à perda de receitas de ANA – Aeroportos, aos termos do contrato VINCI e à verba de 300M€ paga a Lisboa para o aeroporto na Portela continuar, um sobrecusto de 12 mil milhões € versus fusão Alverca-Portela.
E CTI retorna a TIS, a empresa que defendeu um pequenino aeroporto em Alverca contra a megalomania da Ota e que, com financiamento de privados, fez o estudo que lançou Alcochete-1.250ha, contratando-a para fazer a projeção que justifica o giga-Alcochete (5.000ha-4 pistas) com uma fartura de 150 milhões de passageiros.
Os portugueses mostraram, pois, em votação a sua inclinação por uma económica solução dual (mais de 80%) ou, dito de outra forma, quatro em cada cinco portugueses votaram a favor; contudo isso nada vale à obscura comissão formatada para fazer a vontade do poder que a nomeou.
Mas, mais: nos últimos trinta anos, os presidentes da Câmara de Lisboa (CML), desde João Soares, foram todos a favor da prossecução do aeroporto na Portela e, curiosamente, todos fizeram parte de governos onde conheceram mais em pormenor a problemática económico-financeira do hub nacional. Observemos com mais atenção os três últimos presidentes.
Como edil lisboeta, António Costa, no Verão de 2012, negociou com o governo de Passos Coelho a prossecução da Portela, com a cidade a receber uma fatia de 300M€ da privatização da ANA-aeroportos. Como líder do Governo durante sete anos (2015 a 2021), defendeu que a solução HUB Portela + Montijo apresentada pela ANA-Vinci não tinha plano B e firmou o aditamento ao contrato (2019) com essa solução, sem custos para o Estado.
Como edil lisboeta, Fernando Medina alinhou com a opção do Governo de António Costa. Na sua candidatura ao mandato seguinte (já pós-pandemia), defendeu que o que não podia acontecer era a expansão do atual aeroporto ou mantê-lo como principal. Avançou mesmo com a proposta de Portela secundário e aeroporto principal no Montijo, que o ministro da tutela (Pedro Nuno Santos) apoiou com os argumentos da área Montijo ser o dobro da Portela e não haver grandes diferenças em termos de impacte ambiental entre as opções Montijo e Alcochete.
Quanto ao presidente Carlos Moedas: foi ssecretário de Estado adjunto de Passos Coelho de 2011 a 2014 e um dos representantes PSD nos encontros com UE-FMI-BCE no âmbito do programa de ajustamento económico e financeiro.
Deste modo, conhecia bem a privatização ANA-aeroportos, o pagamento à CML de 300 M€ e a adenda contratual com solução dual VINCI sem encargos para o Estado quando, em debate televisivo (pós-pandemia) com todos os candidatos à CML, segurou a sua anterior defesa de Portela + 1 com a mudança da Portela para aeroporto-citadino.
Observemos então o resultado das últimas eleições autárquicas à luz das soluções aeroportuárias com que os candidatos se apresentaram a votos.
1. As duas coligações que ficaram nos lugares cimeiros (C. Moedas e F. Medina) foram a votos com a solução dual com Portela-citadino, somando a larga maioria de 67,6% dos votantes.
2. Se forem adicionados os votantes na Iniciativa Liberal e Chega, a solução dual com Portela-citadino sobe para 76,2% ou, dito de outra forma, três em cada quatro lisboetas votaram a favor.
Como é possível que a opção ALVERCA, precisamente a que lançou (2017) o conceito do segundo aeroporto como principal (na margem norte), não fosse indicada pelos candidatos a Lisboa
A potente fusão 1.850ha-3 paralelas, com Alverca (1.400ha) como aeroporto principal e Portela como citadino (450ha), foi exposta ao Governo em 2017 e o processo completo da alternativa sem custos para o Estado entregue um ano depois, tendo como mais-valias:
• A fusão Alverca-aeroporto principal (trajetórias sobre água)/Portela-aeroporto citadino é a invertida versão melhorada da antes preferida pelos técnicos (TIS) e ambientalistas (Quercus), que mantinha a Portela como principal aeroporto e Alverca era o secundário.
• A fusão é na margem norte (90% das viagens aéreas), não precisando de ponte Chelas-Barreiro.
• A fusão Alverca-Portela é do tamanho dos aeroportos Heathrow (1.200ha) mais Gatwick (650ha).
Como se explica que a fusão tão superior a todas as soluções duais e às opções de raiz tenha sido preterida pela tutela? A explicação é simples, porém delicada: foi garantido ao ministro da tutela que a nova pista de Alverca paralela à da Portela tinha de ficar no meio do canal de navegação do Tejo para operar ‘independente’, o que era inaceitável para o ministro e o levou a declarar o chumbo de Alverca em programa televisivo de grande audiência.
O lapso técnico NAV/ANAC foi, entretanto, esclarecido: a aproximação às duas pistas é feita com uma diferença de 300m em altitude entre aviões, à imagem da maioria dos aeroportos de pistas múltiplas. Contudo, infelizmente, as duas entidades técnicas não emitiram até à data um desmentido público.
Conclusão: a esmagadora maioria tanto dos lisboetas (três em quatro) como dos portugueses em geral (quatro em cinco) votou em partidos a favor de económicas soluções duais e, destas, a fusão Alverca-Portela já demonstrou ser a melhor.
Não é hoje concebível em democracia que a vontade da maioria e os acordos sejam contornados por minorias com promessas enganosas de 150 milhões de passageiros para lançar areia sobre o desperdício de milhares de milhões de euros.
O que pensará em Bruxelas António Costa, conhecedor da agudização das guerras e do protecionismo do presidente eleito EUA, de em tão pouco tempo se saltar da sua económica solução (dual sem encargos para o Estado) para o maior aeroporto europeu, financiado sabe-se lá como?