A maioria dos países vive em democracia, ainda assim cerca de 39,4% da população mundial é governada por um regime ditatorial ou autoritário, segundo um relatório divulgado este ano pela Unidade de Inteligência do jornal The Economist. Os piores regimes são a República Centro Africana, Coreia do Norte, Myanmar e Afeganistão. A ONG norte-americana Freedom House, que monitoriza anualmente as democracias em todo o mundo, reforça essa ideia ao afirmar que 49 países vivem debaixo de uma ditadura.
Existem regimes que são verdadeiras ditaduras e outros que são autocracias musculadas. Em ambos os casos, o poder é exercido de forma autoritária e com violência por uma pessoa ou partido único e não há eleições democráticas. Esses regimes fecham-se a qualquer influência estrangeira, têm uma economia centralizada, mantêm o controlo dos poderes executivo, legislativo e judicial, fazem grande pressão sobre os cidadãos através de propaganda, criam a narrativa dos inimigos internos e externos, não permitem a liberdade de expressão e silenciam os opositores. No meio disso, há países que se fazem passar por democracias, mas que estão longe de representar o povo como define a palavra original demokracia (demo significa povo e kracia governo) que apareceu em Atenas durante o século V a.C. para diferenciar as instituições dessa cidade-estado da monarquia.
Todas as épocas tiveram os seus ditadores. Mao Tsé-Toung, Josef Estaline, Adolf Hitler, Pol Pot, Fidel Castro, Augusto Pinochet, Saddam Hussein e, mais recentemente, Bashar al-Assad ficaram na história contemporânea por serem autoritários, tiranos e despóticos, que dominaram os seus povos com mão de ferro e não olharam a meios para alcançar os fins. Há um dado curioso relativamente a muitos desses ditadores. Chegaram ao poder quando o país atravessava uma crise económica e tinha graves problemas sociais, mantiveram-se no cargo durante décadas, mas quando o prazo de validade acabou caíram rapidamente. Hoje em dia, continua a haver regimes de terror em todos os continentes. De esquerda ou de direita, o que não faltam são maus exemplos.
Maus vizinhos
A Rússia de Vladimir Putin e a Bielorrússia liderada por Alexander Lukashenko são os últimos exemplos de ditaduras na Europa. Com o fim da URSS, em 1991, a Rússia deixou de ter um sistema de partido único, personificado no Partido Comunista da União Soviética (PCUS), e tornou-se uma república semipresidencialista, com o Presidente como chefe de Estado e o primeiro-ministro como chefe de Governo. Contudo, a prática mostra que não houve qualquer transformação do regime. O Kremlin manteve uma política conservadora e autoritária, e a invasão da Ucrânia em 2022 mostrou ao mundo que os interesses do regime não tem fronteiras, mesmo em pleno século XXI.
O ex-agente do KGB Vladimir Putin assumiu o poder em 2000 e, desde então, nomeia os governadores regionais sem eleições, controla de forma brutal a liberdade de associação, de pensamento e de imprensa e persegue (ou elimina) os seus opositores, ao mesmo tempo que mantém relações privilegiadas com poderosos oligarcas russos. O chefe de Estado é eleito por sufrágio universal, mas existem grandes condicionantes, pois só estão autorizados a participar os candidatos classificados como amigáveis do Kremlin apresentados pelo Partido Comunista, Partido Liberal Democrata e Novo Partido Popular. Nas eleições de 2018, o principal opositor de Putin, Alexei Navalny, tentou concorrer contra Putin, mas a sua candidatura foi rejeitada. Já no decorrer deste ano acabou por morrer numa prisão na Sibéria de forma suspeita. A história repetiu-se nas eleições deste ano com o Boris Nadezhdin. O candidato que se manifestou abertamente contra a guerra na Ucrânia foi impedido de participar pelo Supremo Tribunal devido a alegadas irregularidades processuais. Um relatório do Comité de Assuntos Legais e Direitos Humanos da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa concluiu que o poder de Putin e a ausência de quaisquer mecanismos de controlo transformou a Federação Russa numa ditadura. Em 2021, o Parlamento russo aprovou uma lei que permite a Putin concorrer a mais duas eleições, ou seja, o ditador russo pode ficar no poder até 2036, quando terá 83 anos.
Dentro da mesma linha de atuação está a Bielorrússia, uma república presidencial liderada pelo ditador Alexander Lukashenko, um antigo apparatchik do regime soviético, que continua a prestar vassalagem a Putin, sobretudo quando o assunto é a Ucrânia. Com o apoio do Partido Comunista governa o país desde 1994, e foi eleito cinco vezes com quase 80% dos votos em eleições controladas pelo aparelho. O regime ditatorial bielorrusso tem vindo a endurecer a sua política aproximando-se do modelo soviético, e só sobrevive às sanções económicas imposta pela União Europeia graças ao apoio da Rússia – é o maior parceiro comercial da Bielorrússia, 47% do comércio externo bielorrusso é feito com os russos e 90% da energia consumida vem do país vizinho. Em 2020, os bielorrussos foram a votos e o déspota Lukashenko foi reconduzido para um sexto mandato. Uma vez mais, a votação foi denunciada como fraudulenta – várias organizações ocidentais atestaram isso mesmo – e as manifestações de protesto foram duramente reprimidas pelas forças policiais. Na verdade, o Presidente governa através da política do medo. Desaparecimentos, assassinatos políticos, ondas de repressão e prisões em massa são regulares.
Exemplos asiáticos
A República Popular da China não tem a democracia no seu nome oficial, mas sempre quis passar a ideia da participação popular, como se pode ler no artigo 1.º da Constituição, que cita o país como uma “ditadura democrática do povo, liderada pela classe trabalhadora e baseada na aliança entre operários e camponeses”. O Partido Comunista Chinês (PCC) tem mais de 80 milhões de membros e onze milhões de executivos, mas é Xi Jinping quem governa com uma centralização do poder nunca antes vista. Nas últimas décadas, a China tornou-se uma potência económica a nível mundial, capaz de assustar a poderosa economia dos EUA e fazer tremer a Europa. O sonho de Xi Jinping de tornar a China uma potência socialista esbarra num regime autoritário, com inúmeros episódios de perseguição política e religiosa, desaparecimentos de dissidentes e ausência de liberdade de imprensa. Os protestos quase não existem, a última vez que houve manifestações de rua foi a pedir o fim dos frequentes lockdowns e da política de tolerância zero contra a Covid-19. Os últimos protestos de caráter político aconteceram em 1989 e acabaram com o exército a atacar com tanques e metralhadoras os estudantes que pediam mais democracia. O massacre da Praça Tiananmen ainda hoje é assunto proibido na China. Aliás, o Governo sempre foi perito na política do silêncio. Já este ano, a Organização Repórteres Sem Fronteiras classificou a China como a maior prisão de jornalistas do mundo. De salientar que a televisão e rádio são regulados pelo Estado. A ambiguidade do sistema chinês nesta área é enorme. O artigo 35 da Constituição diz que “os cidadãos da República Popular da China gozam da liberdade de palavra, de imprensa, de reunião, de associação, de desfile e de manifestação de rua”. Um pouco mais à frente, o artigo 51 diz que “o exercício das liberdades dos cidadãos não pode infringir os interesses do Estado, da sociedade e da coletividade”.
Não muito longe do gigante asiático mora um dos regimes mais fechados e assustadores do mundo. Embora tenha o nome oficial de República Popular Democrática da Coreia o país vive sob um regime totalitário, marcado pela pobreza e repressão extrema. De acordo com a ONU, cerca de 40% da população sofre de má nutrição e dois terços dos norte-coreanos vivem à base dos poucos alimentos distribuídos pelo Estado. Com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita equivalente a 1.200 euros é um dos países mais pobres do mundo. Durante décadas a família Kim mudou e moldou a mentalidade dos norte-coreanos, fazendo-os acreditar numa realidade que não existe no país. Os métodos de Kim Jung-un para controlar a Coreia do Norte não diferem dos usados pelo seu avô, Kim Jon-sung, fundador do estado comunista da Coreia do Norte em 1950. Durante o seu governo cerca de um milhão de pessoas morreram por desnutrição extrema, fuzilamentos, torturas e doenças. Kim Jong-il seguiu a política de culto de personalidade do seu pai e manteve o país fechado ao mundo. Foi também responsável pela Guerra da Coreia que dividiu essa península em dois países: a Coreia do Norte que sempre esteve alinhada com a União Soviética/Rússia e China, e a Coreia do Sul vinculada aos Estados Unidos.
Kim Jong-un herdou o poder em 2011 por morte do seu pai Jong-il. Esperava-se uma abertura da Coreia do Norte ao mundo, pois tinha sido educado no Ocidente, mas o atual ditador é tanto ou mais despótico que o avô e o pai. Exerce um poder absoluto e faz constantes lavagens ao cérebro para acreditarem que os Kim são deuses e que os coreanos vivem num paraíso, uma teoria completamente absurda em que os norte-coreanos acreditam. Para mostrar que ninguém está a salvo do terror, assassinou o seu irmão e mandou fuzilar o tio, acusando-o de espionagem. Depois, demitiu, deportou e executou centenas de oficiais que julgava que não lhe eram leais. Mais recentemente enveredou pelo discurso militar e entretêm-se a mostrar o arsenal de armas que possui e a ameaçar a paz mundial.
Ditaduras latinas
O antigo motorista de autocarro Nicolás Maduro governa a Venezuela desde 2013. Trata-se de uma ditadura que continua ligada à revolução bolivariana iniciada em 1998 por Hugo Chávez. A oposição garantiu que ganhou as últimas três eleições, mas a ausência de uma reação internacional permitiu a Maduro e ao Partido Socialista Unido da Venezuela continuarem a governar com o apoio da Rússia. Os vários embargos e o congelamento de bens paralisaram a economia e mergulharam o país numa profunda crise, a que se juntam as medidas opressivas do regime. O terror policial cai sobre os cidadãos que ousam protestar contra o socialismo do século XXI, com milhares de pessoas presas, torturadas e desaparecidas. A reeleição de Nicolás Maduro como Presidente da República este ano confirmou que a Venezuela vive numa ditadura, isto num país que era considerado um exemplo de riqueza e estabilidade na América latina nas décadas de 60 e 70. Agora, são milhares de venezuelanos que fogem do país.
Não muito longe dali temos um cenário idêntico em Cuba, que segue o modelo comunista de partido único desde 1959. À ditadura de Fulgêncio Batista seguiu-se a ditadura comunista de Fidel Castro, que ainda hoje persegue e prende as vozes dissonantes do regime e deixa os cubanos na miséria. O Presidente da República é escolhido pela Assembleia Nacional do Poder Popular constituída exclusivamente por membros do Partido Comunista Cubano (PCC), e as eleições municipais são um mero cumprir de calendário uma vez que só participam candidatos autorizados pelo partido. Há seis anos que Miguel Díaz-Canel governa a ilha do Caribe que está cada vez mais pobre. A maioria dos cubanos vive na miséria, faltam alimentos e remédios, há restrições à liberdade de expressão – a nova Lei da Comunicação Social trouxe uma onda de repressão contra os jornalistas independentes – e surgem manifestações espontâneas de protesto contra o regime, que acabam, invariavelmente, com a prisão de vários manifestantes. A violência policial é menos acentuada do que no tempo de Fidel Castro, mas ainda existe um clima de medo e ninguém arrisca criticar abertamente o regime castrista. O presidente pediu recentemente aos revolucionários que enfrentassem os manifestantes, que são artistas, académicos, pessoas LGBTI e pensadores dissidentes.
No reino do petróleo
Nas monarquias absolutistas o rei tinha o poder absoluto e era considerado um ser divino. Na região árabe existem países com esse tipo de monarquia que não é mais do que um Estado autocrático, uma vez que os poderes legislativo, executivo e judicial estão concentrados numa única pessoa. Importa lembrar que em troca de petróleo, o Ocidente apoiou golpes e ditaduras durante décadas nessa região.
Há muitos anos que a Arábia Saudita enfrenta críticas da comunidade internacional pela constante violação dos direitos humanos, restrições à liberdade de expressão, repressão contra as mulheres, criminalização da homossexualidade, uso da pena de morte e prisão de ativistas. Trata-se de uma monarquia islâmica, que tem a sharia como lei constitucional do país e não tolera qualquer tipo de oposição. Obviamente não há partidos políticos e Mohammad bin Salman é o líder supremo. O príncipe herdeiro levou para o país grandes eventos desportivos e festivais de forma a cativar os jovens, mas a forma de governar manteve-se e a repressão num país que interpreta de forma radical o islão sunita é musculada. Desde que bin Salman assumiu o poder muitos ativistas, jornalistas e académicos foram presos e condenados a longas penas de prisão.
O Irão é um dos países mais retrógrados e onde existe maior repressão no mundo. A violação das liberdades, a exposição e chicoteamento público, prisões e tortura são o modo de atuar dos agentes da Guarda da Revolução do Irão, a que se junta a delação sobre quem critica o regime. Tudo isso faz com que a sociedade iraniana seja um barril de pólvora, capaz de rebentar a qualquer momento. Essa possibilidade assusta o regime dos ayatollah, que tem vindo a aumentar a repressão e semear o terror na sociedade, só que os iranianos, sobretudo os jovens, perderam o medo à “polícia dos costumes”. As raparigas e mulheres continuam a ser o alvo principal da república islâmica. Recentemente, cerca 650 raparigas foram envenenadas em oito cidades, nenhuma morreu, mas dezenas foram internadas com graves problemas de saúde. Soube-se mais tarde que esse ato foi levado a cabo por pessoas que queriam o encerramento das escolas para raparigas: “Educar mulheres vai contra as nossas tradições e valores”, afirmaram os defensores do regime.
No Afeganistão, o tempo parou com a chegada ao poder dos talibãs em 2021, após o vazio deixado pela saída das tropas dos EUA e da NATO. O governo aplica a sharia (lei islâmica) de uma forma radical e a bandeira do Afeganistão foi substituída pela do Emirado Islâmico. As mulheres perderam os poucos direitos que tinham, há grandes restrições à educação, forma de vestir e viagens. Há uma profunda crise no país e os protestos nas ruas são fortemente reprimidos.
Eritreia é outro país que adota uma atitude isolacionista, sendo conhecida como a “Coreia do Norte de África”. É um Estado de partido único, o Partido da Prosperidade, onde nunca foram realizadas eleições nacionais desde a sua independência em 1993. É um dos países mais repressivos do mundo, exige décadas de serviço militar aos seus cidadãos e limita grandemente a liberdade de expressão e de religião. O governo só reconhece os grupos religiosos da Eritreia, mesmo assim com restrições, as outras religiões não são permitidas e seus os praticantes são perseguidos, presos e torturados. Além disso, quem falar abertamente sobre perseguição ou interferência do Governo em assuntos da igreja é preso por tempo indeterminado. Todos os anos, milhares de eritreus abandonam o seu país, fugindo daquele que é descrito pela Amnistia Internacional como um dos regimes mais repressivos do continente africano.
Depois ainda temos as autocracias moderadas, onde a democracia está limitada pelos abusos do Estado, por uma forte censura e profundas desigualdades sociais. Angola é um desses casos. Desde a independência em 1975, a ex-colónia portuguesa é liderada pelo MPLA que sempre governou com mãode ferro, com restrições à liberdade de imprensa e perseguição e prisão de opositores políticos do regime. O cenário é idêntico em Moçambique, governado pela Frelimo desde 1975. As eleições gerais de outubro que deram a vitória a Daniel Chapo foram consideradas fraudulentas pelos partidos da oposição e as manifestações de protesto têm sido violentamente reprimidas pela polícia. Não há qualquer tolerância para com a oposição política e o candidato derrotado Venâncio Mondlane teve de fugir do país devido às ameaças que sofreu. Existem ainda os países com regimes considerados híbridos, isto é, passaram de uma ditadura para a democracia suave. Mantêm estruturas claramente autocráticas alinhadas com ideais democráticos, a Jordânia, Marrocos e Costa do Marfim são bons exemplos.