O homem do capacete azul morreu de capacete branco

Alberto Ascari foi um dos nomes mais triunfantes dos primórdios da Fórmula 1.

Quando o Ferrari 750 Monza conduzido por Alberto Ascari entrou em velocidade excessiva na Curva del Vialone do Autodromo Nazionale di Monza, perpassou pela cabeça de alguns que se agrupavam em redor da pista uma sensação de impotência. O carro perdeu a aderência, afundou o nariz e deu duas cambalhotas antes de ficar imóvel de rodas para o ar. Cuspido para o alcatrão, Ascari sofreu múltiplas fraturas e morreu poucos minutos depois. Estávamos no dia 26 de maio de 1955, Alberto tinha apenas 36 anos e já fora campeão do mundo de Fórmula 1 por duas vezes, em 1952 e 1953. Vários pequenos mistérios continuaram para sempre a rodear a sua morte. Era famoso pela sua destreza e, ao mesmo tempo, pela extrema segurança com que conduzia. Ah! Alberto Ascari não era um qualquer. Alberto Ascari é um dos nomes maiores entre os ases do volante. E, no entanto, naquele dia fatídico muitos pormenores pareceram desmentir as certezas que o envolviam. Não era para ter avançado para a pista, mas insistiu em experimentar o carro do seu amigo, Eugenio Castellotti, Il Bello, que viria a morrer dois anos depois num acidente em Modena; usava o capacete branco do companheiro em vez do seu habitual capacete da sorte, de um azul-vivo; quatro dias antes sofrera um aparatoso acidente no Mónaco e insistia em voltar depressa às pistas para ultrapassar o trauma. Tudo se juntava para contrariar a sua imagem de rigor absoluto. Por que pedira ele à Lancia, a sua escuderia, que lhe desse a autorização para que, nessa tarde, pudesse guiar um Ferrari? Saudades do tempo em que fora campeão com a marca do Cavallino Rampante? Perguntas sem resposta.
A morte vivia no sangue e na memória de Alberto. Aos sete anos, o pai, Antonio, outro monstro das pistas, morreu num acidente em Autodrome de Linas-Montlhéry, quando comandava o Grande Prémio de França ao volante de um Alfa Romeo. A dor não lhe tirou a audácia. Começou pelas motos. Passou aos automóveis com a ajuda do grande amigo do seu pai, Enzo Ferrari, que um dia disse sobre ele: «É inultrapassável! Se ganha a dianteira de uma corrida ninguém é capaz de superá-lo». Tomou conta da garagem da família durante a II Grande Guerra e teve sucesso no negócio que partilhou com Luigi Villoresi, seu conterrâneo milanês, também ele piloto nos primórdios da Fórmula 1, ao manter o fornecimento de carburantes para os veículos militares que travavam combates no Norte de África. Estreou-se em grande no I Campeonato do Mundo, fazendo parte da equipa da Ferrari juntamente com Gigi Villoresi e com o francês Pierre Raymond Sommer: na segunda corrida da competição, Grande Prémio do Mónaco, arrebatou o segundo lugar atrás do argentino Juan Manuel Fangio. Isto é, ficou em primeiro lugar entre os pilotos que eram deste mundo.
O norte-americano Andrew Alm Benson foi um indivíduo curioso. Professor de Biologia na Universidade da Califórnia, tornou-se igualmente um estudioso das competições automobilísticas. Escreveu ensaios. E livros. Escreveu inevitavelmente sobre Alberto. «Com a sua camisola azul-clara e o seu capacete a condizer, era uma figura inconfundível dentro do um Ferrari vermelho. Sentava-se de costas direitas e ombros ligeiramente curvados, bem mais próximo do volante do que os seus rivais. Não fazia parte do estilo dos pilotos modernos de Fórmula 1. Tinha um duplo queixo e umas bochechas que o levavam a parecer-se mais com um padeiro milanês do que com um feroz condutor. E, no entanto, era uma terrível e impiedosa máquina de competição. Dominou os Grandes Prémios como ninguém antes dele». A sua popularidade foi enorme, talvez por esse mesmo ar de padeiro milanês ao qual juntava uma índole bonacheirona e amigável. Em 2018, o escritor de livros de suspense, Mark Sullivan, publicou Sob Um Céu Escarlate. Um romance com cenários verdadeiros que aborda a vida contrariada de um jovem milanês, Pino Lella, que vê o mundo virado do avesso quando rebenta a II Grande Guerra e é obrigado pelos pais a alistar-se na Wermacht, convencidos de que seria a melhor forma de o manter longe dos cárceres do fascismo. Lella acaba por se tornar o chofer oficial de Hans Leyers, o representante de Hitler na Itália de Mussolini. Só um homem conseguiu ensinar-lhe a guiar na perfeição: Alberto Ascari! l