A Europa e o mundo vivem tempos conturbados deinquietação, incerteza e acelerada mudança. Por isso, é inaceitável acrescentar instabilidade política à complexidade dos desafios que enfrentamos.
Na análise do estado da arte da política são evidentes os delírios de certos atores, que nos conduzem a debates constrangedores, sem capacidade de dialogar com civilidade num circo mediático degradante. E, tal como enfatizava Maquiavel, não olham a meios na luta desenfreada pelo poder.
Os sucessivos governos e órgãos de soberania deviam redirecionar esforços para um projeto que mobilize a sociedade, abandonando a politiquice, que descredibiliza a política. E, enquanto o País estiver sob o manto dos dogmas ideológicos, não será possível debater com seriedade o estado a que chegámos num Estado refém da partidocracia.
Com efeito, os governantes têm revelado falta ambição, pensamento estruturado e visão estratégica, continuando na redoma do tempo a ignorar os desafios de segurança, estratégicos e económicos. A acção políticatem sido marcada por decisões com opções políticas erradas e prioridades sem critérios aceitáveis, sem planeamento estratégico e inexistência da dimensão dos padrões de compliance e accountability.
Neste contexto, o alarido em que se transforma anualmente o debate sobre o Orçamento de Estado (OE) com dramatização de crise política não dignifica nem serve a democracia. Em vez de esclarecedor e construtivo não passa de um mercadejar das medidas com tacticismo. E serve apenas para insuflar egos e alimentar a agenda mediática num exercício divertido para comentadores, sem conhecimento técnico, que replicam o ruído.
Urge recentrar o debate no que é estruturante e estrategicamente decisivo para Portugal e agir com sentido de Estado. Não se discute a essência, apenas a emergência conjuntural. A essênciapassa por assegurar o desenvolvimento sustentável, na sua dimensão económica, social, cultural e ambiental – com opções energéticas competitivas -, sendo necessário envolver toda a sociedade para vencer os desafios da demografia, da educação, do endividamento, dos recursos hídricos, da imigração e da estagnação económica.
É prioritário que os elementos do crescimento económico da coesão social e da protecção ambiental se reforcem mutuamente, valorizando o conhecimento, a ciência e tecnologia, a reorganização do Estado com simplificação da burocracia, de forma a assegurar com eficiência as funções sociais e de soberania.
Contudo, o crescimento robusto da economia só será viável se forem adoptadas reformas, que visem o aumento da produtividade e da competitividade, promovendo o investimento nos sectores de bens transacionáveis com elevado valor acrescentado.
A outra prioridade deviam ser as políticas fiscais adequadas, sem visões sectárias, para criar um ambiente propício ao investimento cada vez mais articulado com a diplomacia económica e selectivo nas seguintes áreas: conhecimento (educação, ciência e investigação), economia (reindustrialização, mar, floresta, turismo e energia) e transportes (rede ferroviária e requalificação dos Portos).
O OE sendo o principal instrumento da governação, que alguns consideram um negócio de exercício contabilístico, devia ser o reflexo da política económica do Governo e não apenas da política orçamental. E devia estar ancorado numa Estratégia Global do Estado – ainda não formulada-, que devidamente consensualizada permitiria enquadrar a visão para o País e integrar as estratégias sectoriais, assegurando a continuidade das opções assumidas e as reformas que Portugal há muito reclama.
António Costa não tinha visão estratégica e não queria ouvir falar em reformas estruturais, mas a liderança do PS já fala nelas para a transformação da economia e do País. As contradições insanáveis de quem não quer falar da relação da divida com a despesa pública. E sem o crescimento económico robusto apregoado vamos continuar a empobrecer. Ou seja, a inexistência da implementação de uma agenda reformista continua a transformar os orçamentos em propaganda e moeda de troca da sobrevivência dos governos.
Infelizmente o OE tem servido apenas para cobrar impostos e distribuir receitas numa economia débil. E procura fazer a quadratura do círculo com aumento das dotações pelos sectores do Estado, das remunerações, das pensões, fazendo crescer a despesa pública e reduzindo impostos directos para aumentar mais os indirectos.
Ademais a pulverização de medidas avulsas não é compaginável com a estratégia de um orçamento nem resolvem os problemas estruturais, que permitiriam a superação dos constrangimentos económicos e sociais que nos afectam. Há muito que não temos um orçamento de rutura com o passado nem perspectiva estratégica, no medio e longo prazo, não sendo crível que venha a ser muito atrativo para o investimento, as empresas e o crescimento económico sustentado.
O mais importante neste OE é o compromisso entre os dois maiores partidos com o equilíbrio das finanças públicas e a trajectória de redução da divida. Exige-se contenção, razoabilidade e racionalidade num quadro macroeconómico, que só faz sentido com políticas públicas ancoradas em critérios de adequabilidade, aceitabilidade e exequibilidade.
Espera-se, acima de tudo, que não permaneça a degradação dos serviços públicos e das funções de soberania, evitando a deliquescência da defesa nacional e das forças armadas face aos desafios geopolíticos da Europa e da NATO. E que seja revertida a perversão do sistema de justiça, cujo mau funcionamento inviabiliza a eficácia das políticas públicas, desarticulando outros sectores.
O que verdadeiramente interessa é escrutinar a execução orçamental para identificar os exercícios contabilísticos criativos como as cativações, a suborçamentação, a contabilidade criativa e o débil investimento, que o PSD criticava na oposição e tudo leva a crer que prossiga neste OE. PS e PSD dizem uma coisa na oposição e fazem outra na governação. E depois não se queixem!
A realidade vai acabar por se sobrepor à fantasia. E como dizia o perspicaz Cavaleiro Oliveira é “necessário dar crédito e autoridade à razão para que o acaso se não constitua soberano” num País sempre adiado!
Capitão-de-fragata (Reforma)