É preciso estar atento

Depois de ler Adília Lopes, deixei de querer saber. Os poemas nem sempre rimam, mas a vida também não.

Hoje recebi, de uma amiga, a notícia de que a Adília Lopes tinha
morrido, depois de já estar, há algum tempo, internada no
Hospital de São José.

A sua morte chegou-me como um assalto ao qual não tive sequer
oportunidade de oferecer resistência e, desarmada, entreguei o
que tinha e o que inclusive, com esse momento, percebi que
estaria disposta a dar. O tempo para a ler mais em vida.

Foi tarde, mas não tarde demais, que descobri o vício da leitura.
Desde cedo, porém, suspeitei que o caminho haveria de começar
pela poesia e foi, com os seus livros, que comecei a reincidir.

As obras da Adília Lopes são uma ode à poesia porque a expõem,
exatamente, como aquilo que é. O reflexo mais puro de cada um
de nós. Existe uma serenidade ímpar nas coisas simples, mas não
é fácil apreender a dimensão que elas contêm. É preciso que se
esteja atento.

Há os que olham e os que vêem, os que ouvem e os que escutam,
os que tocam e os que sentem. Há aqueles que a chuva molha e
aqueles que a chuva limpa. Há aqueles aos quais a brisa leva o
perfume e aqueles que param para a cheirar. Há aqueles aos
quais o calor de uma chávena de chá aquece as mãos e aqueles
a que o calor de uma chávena de chá aquece a alma. Há aqueles
que dizem por dizer e aqueles que dizem quando calam.

Para os apreciadores dos detalhes, a simplicidade não é só um
conforto, é também um alívio. Na quietude das coisas belas,
Adília Lopes preparou-nos um refúgio onde tudo se restabelece,
porque não há nada que a sua poesia não aligeire, mesmo aquilo
que à partida é tão denso.

Neste instante, o que resta é uma franca, tranquilizante e genuína
gratidão, pelo contributo que ofereceu à cultura e pelo traço
singular com que continuará a marcar os que a lerem.

De facto, pela escola, era eu pequena, aprendi sobre poemas que
rimavam. Gostava da ideia de procurar palavras com a mesma
fonia, superando o desafio, quase sempre desrespeitado, de
escolher palavras que não retirassem o sentido ao poema.
Quando não cumpria as regras os professores davam-me má
nota. E eu escrevia desolada poemas que rimavam lamentando a
negativa.

Depois de ler Adília Lopes, deixei de querer saber. Os poemas
nem sempre rimam, mas a vida também não.

Porto, 31.XII.2024