A Rusga no Martim Moniz

Gostava assim de propor que seja criada a Associação dos traumatizados das rusgas. Eu provavelmente deverei ser dos que mais rusgas sofreu, logo mais traumatizado, pelo que me proponho desde já para Presidente da Associação.

Estou tão cansado de ouvir falar neste assunto que resolvi escrever sobre ele. Estou indignado com o racismo da Polícia Portuguesa. Eu próprio fui várias vezes vítima deste racismo contra trabalhadores-estudantes, pois durante vários anos fui alvo de várias rusgas como esta. Regra geral acontecia 6ª feira à noite. Após 8h de trabalho diárias e quase 5h de aulas à noite, lá vinha eu a atravessar o Intendente para ir para casa (morava na Travessa da Cruz aos Anjos, ali vivi desde que nasci até aos 24 anos, altura em que me mudei para Sintra, e os meus pais lá continuaram por muitos anos). Sofri muitas rusgas em que fui encostado à parede e revistado. Posso dizer que estou traumatizado e solidário com aquelas pessoas que foram traumatizadas há poucos dias.

Gostava assim de propor que seja criada a Associação dos traumatizados das rusgas. Eu provavelmente deverei ser dos que mais rusgas sofreu, logo mais traumatizado, pelo que me proponho desde já para Presidente da Associação. Proponho ainda que esta Associação defenda a criação de um subsídio vitalício para todos aqueles que foram traumatizados por rusgas. Dois salários mínimos parece-me razoável, para começar, e depois discutiremos alguns apoios mais, tipo um subsídio por cada apalpadela, por cada minuto perdido, entre outros.

Apesar das rusgas, sinto saudades da Rua do Benformoso, do Intendente, da Mouraria, do Martim Moniz. A malta não faz ideia, mas era o cheiro a urina no meio das “camionetas” das mudanças, as cenas de pancadaria, as facadas, os tiros a todo a hora, a malta a injectar-se, os donos dos bares a bater com tacos de basebol nos toxicodependentes que assaltavam os clientes (dos bares e das prostitutas), as prostitutas a levar pancada dos proxenetas… Enfim, não quero cansar o leitor com estes romances do turismo moderno e daqueles que pagam para ver estas coisas. Eu vi amigos de infância a morrer por estes motivos e outros a passarem uns bons anos na prisão. Sou um sortudo, todo este turismo de borla. E o que dizer de ter estudado 4 anos numa escola primária em que 3 pisos eram ocupados por salas de aulas e o último por quartos para as senhoras e seus clientes? As quais víamos passar por entre nós quando nos abrigávamos nas escadas, na hora do recreio, quando chovia? O máximo, hilariante!

Desde há uns anos, aquela zona tornou-se turística. O Intendente e toda aquela zona deixou de ter criminalidade e passou a ser moderna. A Rua do Benformoso passou a ser um centro comercial a céu aberto cada vez maior. Agora que a Rua do Benformoso e o Martim Moniz se tornaram novamente uma zona de crime aqui-d’el-rei com rusgas e tal. Então ninguém percebe que é tudo turismo? Raio de gente, sobretudo polícias, que teimam em chatear as pessoas que procuram viver do turismo do crime. Ainda por cima são originais, trazem o Industão até nós. Em vez de voarmos 12h até à Ásia, em 12 minutos de metro estamos cá a viver as mesmas experiências culturais.

Enfim… podia ter tido uma vida de sonho como proxeneta, tipo assim uma coisa de esquerda e viver à pala de quem trabalha. Como sou de direita, resolvi trabalhar no sector social, vejam lá. Quem sabe se vivendo do crime ou titulando-me de um grupo minoritário qualquer, o Governo não me daria mais atenção e apoio. Assim despreza-me e nem o mínimo me dá para me sustentar. A mim e às dezenas de milhares que trabalham no sector social e nos cuidados continuados.

Mas agora, com a Associação dos traumatizados das rusgas as coisas irão mudar, para melhor, de certeza. Vou ter a atenção da Comunicação Social, o Governo vai-me dar mais dinheiro a mim e aos associados e quem sabe ainda não me candidato a Presidente da República. Afinal tenho todos os requisitos: mais de 35 anos e a capacidade de dizer o máximo de banalidades possível, tipo as rusgas de esquerda são boas quando o Governo é de esquerda e más quando é de direita.

Presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados