Ao som das doze badaladas entrámos no Ano Novo. Como manda a tradição, fizemos seguramente os nossos brindes, comemos as doze passas uma de cada vez e pedimos os doze desejos na esperança de que eles se tornem realidade.
Esta tradição bem enraizada na nossa cultura, apesar de a origem não ser portuguesa, representa a forma mágica de atrair sorte e felicidade num ritual que foi passando de geração em geração, estendendo-se até aos nossos dias. Confesso que nunca fui nem sou um fiel seguidor desta prática e, como católico, ao passar a meia noite, ponho tudo nas mãos de Deus.
Neste ano, muitos pedidos poderia fazer – pela família, pelos jovens, pelos idosos, entre tantos outros. Mas vou destacar apenas três que, por mexerem mais comigo, ocupam o centro das minhas prioridades.
Em primeiro lugar, a Paz no mundo. Um mundo em que as guerras em vários continentes continuam a pôr em evidência a dureza do coração dos homens. Milhares de seres humanos vão morrendo perante a indiferença dos responsáveis, para quem só a força das armas é importante e faz sentido. Chamaram-me a atenção as recentes declarações do nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa após a visita ao Equador: «Portugal está bem, num mundo que não está bem».
Com tantos conflitos a nível mundial, não será preciso pedir pela Paz? E ao vermos o nosso país liberto dos horrores da guerra e de tudo o que ela traz consigo, alguém tem o direito de se queixar com as dificuldades normais do dia a dia? Vale a pena meditar e tirar as devidas conclusões.
O outro pedido tem que ver naturalmente com a minha profissão. O país pode ter deficiências a vários níveis, mas as falhas na saúde estão sempre na ordem do dia. A toda a hora chegam até nós notícias e imagens bem reveladoras de que é preciso fazer mudanças. Há tempos fomos confrontados com os graves problemas no INEM, mas o caos nas urgências hospitalares, a falta de resposta nos centros de saúde, a ausência de soluções para as grávidas devido ao encerramento das maternidades, e ainda o crónico problema de nem todos os portugueses terem médico de família, são sinais evidentes de que muita coisa está mal e há ainda muito por fazer.
Convém ter presente também a doença grave de que o nosso país sofre e para a qual não consegue encontrar tratamento: os cuidados continuados e paliativos. Quando é que alguém decide investir a sério neste domínio? Para quando os hospitais de retaguarda? É urgente apostar rapidamente neste problema delicado e traiçoeiro, que pode afetar qualquer um, apesar de a maioria das pessoas só se aperceber dele quando a ‘desgraça’ lhe bate à porta.
O terceiro pedido diz respeito à vida política e aos seus intervenientes. Desejava, sinceramente, que houvesse mais respeito, cooperação e tolerância entre partidos e dirigentes. Cada vez é mais notório que, em vez de se combaterem ideias, atacam-se as pessoas. E, por vezes, esses ataques são feitos à custa de golpes baixos e inadmissíveis. Veja-se, por exemplo, a campanha inqualificável dos cartazes expostos na capital só para denegrir a imagem de quem está à frente da autarquia! Num país pequeno como o nosso, será assim tão difícil as pessoas entenderem-se minimamente dentro dos princípios básicos do civismo e da boa educação? Não estão em causa as nossas legítimas divergências e o confronto de ideias até é salutar, mas tudo tem limites e há regras que não se podem ultrapassar.
Com passas ou sem passas, com brindes ou sem brindes, já estamos em dois mil e vinte cinco. O apelo que faço, não só como médico mas acima de tudo como cidadão, é que estendamos as mãos aos outros. Citando o Papa Francisco: «Estender a mão a alguém é um gesto que representa proximidade, solidariedade e amor». E, nos dias de hoje, são tantos os que precisam desse gesto. O abandono de doentes em lares e hospitais pelos familiares e amigos vem pôr a descoberto uma realidade que a todos nos envergonha e compromete, para não falar dos muitos que vivem na rua abandonados à sua sorte, sem esperança de melhores dias.
A todos os leitores desejo que o Novo Ano lhes traga paz, alegria e esperança – onde se sinta verdadeiramente ‘a proximidade, a solidariedade e o amor’.
As passas do Ano Novo
Com passas ou sem passas, com brindes ou sem brindes, já estamos em 2025. O apelo que faço é que estendamos as mãos aos outros