Lillie Langtry. Uma mulher chamada cavalo

Famosa desde muito jovem na sociedade londrina, Miss Jersey, como foi conhecida inicialmente, tornou-se vítima do falatório da cidade pelos seus casos amorosos, o mais escandaloso com o príncipe Albert Edward, o futuro rei Eduardo VII. Não foi por isso que deixou de ser uma atriz muito elogiada pela crítica.

É absolutamente fundamental nunca confundir Lillie Langtry com Lillie Langtry! Assim à primeira vista parece que ando por aqui a gozar com o pagode, mas até eu, que não sou muito dessas coisas, exclamo: «Por amor de Deus!»._Isto é: nunca me passaria pela cabeça andar a meter os leitores em labirintos mentais, até porque se compra o jornal («Bem hajam, que nos ajudam a viver!», escreveria o velho Aurélio Márcio nos tempos em que A Bola eram cinco letras mágicas, e nunca de plástico para ser mais barato) é para obter respostas e não para que lhe façam perguntas. Pois muito bem, Lillie Langtry eram duas: Emilie Charlotte, Lady de Bathe (nascida Le Breton), vinda ao mundo em Jersey, uma das Ilhas do Canal da Mancha, e Lillie Langtry, uma égua puro sangue, parida na Irlanda e que fez furor em Ascott. Vou dedicar-me mais à primeira do que à segunda, aliás como podem ver pelas fotografias que ilustram esta crónica, já que não se trata certamente mais do que isso pois não tenho a Enciclopédia Britannica aqui à mão de semear. Se a segunda foi motivo de muitas conversas e de discussões nessa terriola da paróquia de Wing, no Buckinghamshire, a outra espantou a Londres vitoriana com a sua pose de condessa, o seu donaire natural, e com a facilidade incrível com que arrebanhava amigos a cada esquina, tornando-se com apenas 23 anos uma das figuras badaladas da socialite inglesa. Chamavam-lhe The Jersey Lily. Aqui, nesta matéria do nome, já me deparei com variadas grafias: Lillie, Lilly, Lily… Fico-me pela de Lillie. Não será grave nem incomodará a respetiva proprietária no seu sono eterno, no qual ferrou desde o dia 12 de Fevereiro de 1929, na St. Saviour’s Church, em Jersey, sua ilha natal. Por acaso o enterro de Lillie foi incomodado por duas ou três moscambilhas das quais, se houver espaço, ainda vos ponho ao corrente. Já se vê.

Como dizia o povo português, de Cama Porca a Vale do Grou, Lillie era um pedaço de mulher. Não admira, portanto, que tenha caído no goto de um grande número daqueles londrinos que gostam de organizar festas com muito Gin and Tonic à mistura e meios copos de whisky gaseados a sifão. Era fotogénica de tal ordem que os pintores faziam fila para lhe pedirem que posasse para os seus retratos. Claro que muitos usavam o truque como estratégia de engate, mas deixemos isso para outras núpcias. A seguir a ter a cara espalhada por todo o reino graças à publicidade da Pears Soup, a primeira sopa em pó a ter dimensão intercontinental, decidiu que era preciso dar um passo maior na hierarquia social e enfiou-se na cama de Bertie, isto é, Albert Edward, que viria a ser rei com o nome de Eduardo VII. No livro biográfico The Story of the Fabulous Mrs Langtry, escrito por Pierre Sichel, um fura-vidas que aparecia sem ser convidado em tudo o que era da pândega, a lista de amantes de Lillie era de fazer espaventar de terror Lady Chatterley. Mas, para bem do nome de Miss Le Breton, Pierre era além de um estulto verrinoso um famoso mentiroso. Poucos acreditaram nele, mas talvez valha apena encerrar aqui o capítulo da vida sexual da que em breve se transformaria em Mrs. Langtry.

Um tumulto de vida

Tenho-me esvaído em elogios a Lillie, mas também é necessário trazer a lume o maior dos seus defeitos: era absolutamente mitómana. Inventava enredos e transferia-os para a vida real com o descaramento divino do Alencar do divino Eça. E bebia como um camelo que se tivesse perdido durante dois anos no deserto sarauí. Ou seja, nem depois de ter casado com Edward Langtry, uma alma inócua que lhe deu o nome artístico e oito meses depois do divórcio, sem qualquer respeito pela própria saúde, foi derrubado por uma hemorragia interna enquanto viajava de barco entre Belfast e Liverpool, ganhou o epíteto de mulher séria. Ora, este pobre mamífero já tinha sido casado em primeiras núpcias com a senhora Jane Frances Price. E não digo isto por coscuvilhice, afirmo-o por um pormenor curioso: a irmã mais nova de Jane, Elizabeth Anne Price, resolveu casar com William Inglis Le Breton, exatamente, o irmão mais novo da nova Mrs._Langtry. E ainda queriam que os boatos não andassem por Londres a correr como ratazanas…

Morto o amantíssimo esposo, Lillie não perdeu muito tempo a conhecer novos leitos, mas já disse que não voltava ao assunto. No intervalo entre duas ressacas subia ao palco, representava e bem! Também subia a bordo dos iates dos seus amigo abonados, mas o dinheiro do falecido Edward escapava-se-lhe por entre os dedos como grãos de areia. Desesperada por meia-dúzia de guinéus, tratou de se chegar a Oscar Wilde que ainda não tinha ido parar aos calabouços da rainha acusado da ignomínia da homossexualidade. Oscar era, no fundo, um bom camarada que não deixava nenhum amigo descalço. Assim sendo calçou Lillie como uma das mais apreciadas atrizes de Shaftesbury Avenue e do Haymarket Theatre. Críticas encomiásticas asseguraram-lhe maquias suficientes para subir uns degraus e passar a ser, igualmente, produtora. Viajou para os Estados_Unidos com performances de estalo em The Lady of Lyons e As You Like It, aperreou-se com o seu sócio (de camas não falo mais) americano Frederick Gebhard, e regressou à Europa, desta vez com estada em Paris de forma a estudar no Conservatório e se preparar para a «pièce de résistance» que foi a sua interpretação de Lady McBeth.

Gebhard foi o principal responsável por Lillie se apaixonar não por ele mas pelas corridas de cavalos. Ainda andavam enrolados quando trouxeram cavalos dos US of A para Inglaterra e os introduziram no circuito de apostas. Azar! Um fogo de origem obtusa infiltrou-se nas cavalarias que tinham alugado e levou palha, madeira e equídeos com a mesma facilidade com que brotara sabe-se lá de onde._Teorias da conspiração à parte, Mrs. Langtry, que revelava avessa a largar o nome do desgraçado Edward, tornou-se íntima de outro milionário de truz, George Alexander Baird, um escocês que tinha sido jockey e, pelo caminho, se deixara de infantilidades. Baird, cavalheiro, ofereceu-lhe uma égua com o nome de Mrs. Jersey. E não é de espantar que a poldra que, mais tarde, arrebataria vários derbies sob o nome honroso de Lillie Langtry tenha tido laços de sangue com a sua antecessora. Mas isto já sou eu a especular.

Lillie era, como já disse algures, uma moça de pródiga imaginação e muito dada a efabulações. Nas suas memórias descreveu uma relação muito próxima com o primeiro-ministro William Ewart Gladstone, um daqueles campeões da política, chamado ao cargo por diversas vezes. O episódio posto no papel parece ter embaraçado muito o velhote de tal ordem que Lillie caiu num descrédito absoluto em relação àquilo que ia deixando à laia de sua biografia. Ora isso terá tido alguma influência na repentina decisão de viver nos Estados Unidos numa  espécie de casamento tácito com o já nosso conhecido Frederick Gebhard. Recebeu, como reconhecimento, a cidadania americana, o que lhe terá dado um jeitão já que pelas terras do_Tio Sam não existem, ao que sabe, nem príncipes nem primeiros-ministros. Edward, um bolsos largos, comprou-lhe uma propriedade de 17 quilómetros quadrados na qual produziram vinho até que a desdita fez com que Gebhard fosse encontrado certa madrugada na estação de caminhos de ferro de Crewe num estado lastimável, não dizendo coisa com coisa. Foi de imediato hospitalizado no Asilo de Chester e foi pouco o tempo em que bateu as suas botifarras de vaqueiro. Lillie não levou a coisa muito a peito já que, nessa altura, era a companhia favorita de um príncipe húngaro um bocado manhoso chamado Paul Esterhazy. Assunto breve. Em 1899, com 46 anos, casou-se com um jovem baronete, Hugo Gerald de Bathe. Pode-se dizer que saltava de cavalo para burro. Viveram separados até à morte dela, no Mónaco, para onde passara a viver. Hugo preferia as montanhas e montara casa em Vence, nos Alpes. Ao longo de trinta anos conviveram muito pouco.