‘Quando a crítica é seletiva o pobre desconfia’

A Polícia não age indiscriminadamente, é tempo de parar de alimentar essa falácia.

Não se tenha a ideia de que o facto de se insistir numa ideia, ainda que escabrosamente sustentada em pouco mais do que miopia ou cegueira ideológica, que ela, de forma divinatória, se torna uma verdade. E assim foi, comentou-se e atacou-se, até à exaustão, com vocalidade e ânimo crítico, a intervenção da Polícia de Segurança Pública na zona da Mouraria, rompendo-se as vestes como se fosse uma questão de defesa da liberdade e da democracia, face ao uso desproporcional, evidente disseram, da atuação policial, não só em razão da putativa direção (os migrantes), como em razão do pobre resultado (2 detenções e meia dúzia de armas apreendidas), apelando-se às mais altas instâncias (com exceção, pasme-se, do Ministério Público) para virem por ordem na casa, tudo a favor do primado da legalidade. Este foi o zeitgeist que se instalou ao longo de quase 2 semanas, com dezenas de comentadores e, diria eu, artilheiros, que foram bombardeando a opinião pública com anotações muito pouco simpáticas sobre a ‘inadequada’ aplicação de técnicas e metodologias policiais.
Ora, não deixa de ser curioso que esses mesmos sabedores da leges artis policial, não se tenham aprontado a vir, com a mesma rapidez, comentar as duas recentes operações especiais de prevenção criminal que a PSP levou a cabo no passado dia 30 de dezembro, e que culminou, no seu conjunto, na detenção de 13 suspeitos e a apreensão de 1 arma de fogo, 3 réplicas de arma de fogo, 5 facas, 3 soqueiras, dezenas de munições e vários milhares de doses de estupefaciente. E não, as operações não foram na Mouraria desta vez, aconteceram nos Olivais (zona de Lisboa) e em Portimão, e ambas, como a anterior, sustentadas em análises de risco prévias, ponderadas e calibradas, orientadas portanto para zonas/locais considerados perigosos, não decerto pela nidificação de focos de migrantes, mas sim pela sedimentação de um quadro de violência, designadamente ocorrências envolvendo o recurso a armas ilegais, que puseram em risco a vida e integridade física de pessoas, e ao qual era necessário por cobro para que se evitasse uma escalada ainda maior, tanto de violência como de insegurança. E não se venha dizer [como se disse na fatídica operação] que apreender 12 armas e deter 13 suspeitos espelha bem a desproporcionalidade deste tipo de ações operacionais, ou pior, do desnorte das decisões das estruturas de Comando da Polícia e, ao seu lado, do Ministério Público.


E para quem eventualmente acha que o labor policial se faz com base no ‘achomestrismo’, ou mais grave, a mando dos ventos políticos, os factos mostram bem o quão estes senhores, que agora se resguardam na boçalidade da época festiva, estavam e continuaram a estar enganados, e que são eles próprios, com os seus obuses ofuscados, a alimentar uma perceção de insegurança junto das populações, disparando anátemas atrás de anátemas, dichotes atrás de dichotes, tudo para ferir a credibilidade e confiabilidade que as pessoas têm nas forças de segurança, criticando os seus erros e falhas, mas respeitando e admirando a sua dedicação e sacrifício, algumas das vezes em total risco de perderem a vida. É incrível como é que se pode dar a segurança como algo adquirido, ou que não é condição de liberdade, quando em menos de uma semana assistimos a 3 homicídios, 2 cometidos com armas de fogo e 1 com arma branca.


A Polícia não age indiscriminadamente, é tempo de parar de alimentar essa falácia. Ela orienta a sua atuação, como sempre orientou, em resultado de uma avaliação criteriosa e permanente da evolução criminal para evitar que não seja necessário realizar operações desta natureza na Rua Augusta, na Rua Garrett, na Avenida de Roma e em muitas outras onde a Polícia tem, desde há muito tempo, a responsabilidade por zelar pela sua segurança, de quem lá mora e de quem as visita. E seja na Rua do Benformoso ou em qualquer outra rua deste país, a Polícia tudo continuará a fazer para que todas elas sejam avenidas de liberdade e não apenas de vaidade.

Presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da PSP