Eikoh Hosoe em Portugal

A exposição na Ochre Space será a primeira em Portugal e a primeira no mundo após a morte do fotógrafo japonês.

Para João Miguel Barros, Hosoe Eikoh foi um dos maiores fotógrafos japoneses do pós-guerra. «O Mestre dos Mestres», afirma ao Nascer do SOL. Aliás, segundo o também fotógrafo, talvez seja redutor olhar para Hosoe apenas como fotógrafo. «Ele era um filósofo que pensava a vida a partir do corpo e do movimento, tentando encontrar o ponto de equilíbrio algures na intersecção entre o espaço e o tempo», explica. «As suas imagens não procuram o óbvio. São projetos que sugerem uma certa teatralidade, um mundo que a nós, em especial ocidentais, nos parece estar fora da realidade e que, por isso, só alguns podem entrar. É por isso que ver os livros de Hosoe exige cuidado e perseverança. Têm muitas vezes um duplo significado, ou sentidos ocultos que passam despercebidos a um passar de páginas apressado», detalha. «Como numa orquestra, é preciso saber interpretar a regência do maestro para perceber o sentido e a cadência da música», acrescenta o também curador da exposição.

A galeria
A partir do dia 15 de janeiro e até 8 de fevereiro será possível conhecer mais sobre o artista japonês, na Ochre Space, galeria de arte dedicada à fotografia e vídeo, que escolheu uma data carregada de simbolismo para esta inauguração: o centenário do nascimento de Yukio Mishima, icónico escritor japonês que inspirou um dos projetos mais emblemáticos da carreira de Hosoe. «A Ochre Space é basicamente o meu estúdio, lugar de trabalho e o espaço onde tenho acomodada a minha biblioteca de mais de 3.100 livros de fotografia. Mas é também um lugar onde pretendo dinamizar um conjunto de atividades ligadas à fotografia contemporânea. É um espaço recente e que só está aberto ao exterior quando organizo alguma iniciativa pública», conta João Miguel Barros.

Uma referência
A exposição surgiu da sua enorme admiração por Hosoe Eikoh. «Ele é um dos nomes de referência na minha formação artística e como estudioso. Na minha idade já não faço fretes e só trabalho com os artistas de quem gosto e admiro, e se conseguir chegar a eles», admite.
Segundo o curador da exposição, na fase inicial da sua carreira, o interesse de Hosoe Eikoh era a fotografia documental. Mas em 1959 assistiu a uma performance de Tatsumi Hijikata, o fundador da dança Butoh – uma dança que surgiu no Japão pós-guerra e ganhou o mundo na década de 1970. «Hijikata tinha adaptado o romance ‘Kinjiki’ de Mishima, explorando os seus temas homoeróticos. Esse momento foi marcante na vida futura de Hosoe como artista. E foi o início de uma longa amizade e colaboração entre Hosoe e Hijikata», explica.


Hosoe fotografou detalhadamente os dançarinos Butoh. «Foi Mishima que o procurou para que ele o fotografasse para a capa de um livro de ensaios que queria publicar. O resultado foi tão entusiasmante, ainda que tão pouco ortodoxo, que Hosoe propôs a Mishima darem continuidade à sessão fotográfica. Mishima aceitou de imediato e entregou-se, é o termo, ao critério criativo de Hosoe. Surgiu assim ‘Barakei’ ou, em inglês, ‘Ordeal by Roses’», afirma João Miguel Barros.


Este tornou-se rapidamente «um livro desafiante, inovador, enigmático e ainda hoje é suscetível de diferentes explicações», de acordo com o fotógrafo. «Mishima é a matéria prima de todo o livro, que foi feito em sua casa e em estúdio ao longo de várias sessões, mas que teve muito trabalho de laboratório com a sobreposição de diversas pinturas renascentistas que eram referenciais de Mishima e que este sugeriu a Hosoe», pormenoriza. «Com Barakei, Hosoe ganhou a imortalidade», garante.


Por vezes dá consigo a pensar que a muito estreita convivência de Hosoe com Hijikata e os grupos de dança «transformaram a sua obra fotográfica numa performance fotográfica». «Mas a relação com Mishima, que se manteve viva até à sua morte, também foi um polo de grande influência na vida artística de Hosoe», garante. Em todo o caso, para si, a obra de Hosoe é diferente de outros grandes nomes da fotografia do seu tempo.

Inspirado nas suas raízes
Há quem diga que este levou ao reconhecimento da fotografia como uma força artística vital dentro do movimento artístico de vanguarda do Japão. «A fotografia de Hosoe é basicamente inspirada na cultura japonesa e nas suas raízes. Obviamente que viajou e conheceu muitos outros lugares, mas voltou sempre à base, ao seu Japão, muito dele rural e tradicional religioso», conta.
A exposição começou a ser pensada há mais de um ano. No entanto, João Miguel Barros nunca chegou a falar com o Hosoe Eikoh. «Estava muito doente há vários anos e praticamente não recebia ninguém. O meu interlocutor foi o seu filho Kenji», revela. O fotógrafo português tem esperança de conseguir ajudar a divulgar o seu legado em Portugal. «O seu filho já me disse que eu iria ficar com o direito de promover as exposições que entendesse do Mestre Eikoh no futuro. É uma alegria imensa poder ter o Hosoe Eikoh na Ochre Space e fazer todos os anos uma sua exposição, segundo o meu critério curatorial», remata.