Uma vez que cada situação vital representa um desafio ao indivíduo e coloca um problema para ele resolver, a questão do sentido da vida pode ser posta ao contrário. Em última instância, o Homem não deveria perguntar qual é o sentido da vida, mas antes reconhecer que é ele quem se vê interpelado. Numa palavra, cada pessoa é questionada pela vida; e à vida cada um pode responder sendo responsável.» Esta é uma das sentenças, ou máximas, princípios de filosofia de Viktor E. Frankel, mentor da logoterapia, sobrevivente de Auschwitz e autor desse livro absolutamente revolucionário que tem agora edição portuguesa: O Homem em Busca de Sentido (edição Lua de Papel).
Inspirado por Nietzsche, Frankel, psicoterapeuta, é claro nos pressupostos do que é a logoterapia, tema que se explora e explica na segunda parte deste seu livro e que comprova a verdade de um método aplicado à experiência traumática do seu autor naquele campo de concentração. Trata-se de um método através do qual se procura assistir o paciente através da consciencialização do logos que está oculto na sua existência. Processo analítico, a logoterapia não está longe da psicanálise, com a diferença de «a logoterapia tornar alguma coisa novamente consciente não restringindo a sua actividade aos factos instintivos contidos no inconsciente do indivíduo, preocupa[ndo-se] também com realidades existenciais, tais como o significado potencial da sua existência, que lhe cabe preencher, bem como a vontade de sentido.»(p.106).
Tensão interior e não equilíbrio, esse é um dos pré-requisitos, segundo Frankel, indispensável “da saúde mental”. A razão pela qual este livro constitui um testemunho vital para quantos, hoje, se debatem com um tempo que parece roubar-nos quer o equilíbrio (que se conquista quando a tensão se faz dinamismo e não irracionalidade, perda de contacto com o real), quer a tensão (que pode ser energia criativa, questionamento, vontade de ultrapassar limites impostos pelo meio, o próprio eu e o momento da vida) prende-se com a vivaz experiência do nazismo e de Auschwitz. Em termos mais gerais, prende-se com a sensação da ameaça do fim. Em 2025 este livro pode ler-se como um manifesto da esperança contra a ideologia do ódio e da morte que caracteriza o nosso tempo. Este é, pois, um livro que vendeu 1 milhão de exemplares – só na língua inglesa. A razão do sucesso que o seu autor jamais procurou tem que ver com a certeza de que a procura de um sentido para a vida continuou a ‘queimar a pele’ do ser humano mesmo depois de 1945.
Ora, em 2025 a vida irá complicar-se, complexificar-se. As guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, os arriscados lances das potências militares no xadrez das relações internacionais, a luta sem tréguas (comercial ou bélica, se tiver de ser) entre os EUA e a China, a estratégia de sobrevivência de Putin, assente na ameaça constante do nuclear; os sinais inequívocos de que a Europa vive um dos períodos mais graves da sua história recente, fruto de uma classe política vendida ao luxo; uma Europa-Museu onde as oligarquias burocrático-financeiras jamais irão resolver as vidas dos milhões de seres humanos que pedem nas ruas das cidades do Velho Continente, dos que dormem nas gares dos autocarros, nos subterrâneos do metro, nas avenidas das lojas faustosas das grandes cadeias empresariais; tudo vem contribuindo para que coloquemos a questão do sentido da existência. Em Portugal não é outra a pergunta: que sentido para a vida de mais de dois milhões de pobres neste país? Quando a oligarquia político-burocrático-financeira pretende implementar uma nova lei do solo que permite construir casas em terrenos agrícolas numa óbvia jogada que só serve a especulação e a remuneração dos acionistas bancários, é ainda de sentido para a vida que devemos falar.
Em 2025 – é o que se depreende da mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa – seria tempo de desatar, com realismo e verdadeira preocupação social (e democrata), alguns dos nós que nos aprisionam a um quotidiano cada vez mais perigoso. É a pobreza, sem mais, o nó górdio da vida em Portugal. Quer dizer: como encontrar um sentido para a vida se em todos os seus planos falta aos portugueses aquela tensão e aquele equilíbrio que promove a compreensão da existência? Não vivemos em campos de concentração, é certo. Há (ainda) liberdade de expressão e de movimentos. Ainda podemos organizar-nos e manifestar a nossa indignação. Mas, a meu ver, a questão do sentido implica a questão que em Portugal raramente nos pomos: é a da responsabilidade. No fundo, a questão central no livro de Viktor Frankel. Em face da hipótese de poder ir para os Estados Unidos, Frankel decidiu não abandonar o pai e a mãe no momento em que a malha nazi apertou de vez. O Homem em Busca de um Sentido é um testemunho vivo de alguém que assumiu a responsabilidade de não abandonar os seus pais. De os honrar. Questionar, pois: Por que razão vivemos no país com os mais baixos salários da Europa? Que razão assiste a um Governo que já nem disfarça quanto à tentação de ir transformando Portugal num Estado policial? É de sentido da vida que temos de falar quando pensamos sobre educação, justiça, saúde, imigração.
A busca de sentido: o ano de 2025 e um livro para mudar a vida
O Homem em Busca de um Sentido é um testemunho vivo de alguém que assumiu responsabilidade de não abandonar os seus pais. De os honrar.