Peaches Browning. A macabra história da noiva-menina

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‘Estrelas Perdidas’ é a segunda série publicada na revista Luz após ‘Os Assassinos de Hitler’. Depois da história de Lillie Langtry – publicada na última edição –, a protagonista do II capítulo é Peaches Browning. Estrela de vaudeville com altos e baixos nos anos 20 e 30 em Nova Iorque, ficou mais famosa pelo seu casamento aos 15 anos com um milionário de 51 do que propriamente pela suas qualidades artísticas que, nem por isso, deixam de ser postas em causa.

Quando nasceu, Peaches Browning não se chamava nem Peaches nem Browning. O problema é que o Tempo, assim mesmo em caixa alta, andou a brincar com ela ao longo de toda a vida como uma criança brinca com a sua primeira roca. Ao nascer deram-lhe o nome de Frances Belle Heenan. E não ficamos muito longe da verdade se dissermos que Frances não teve infância, ou pelo menos privaram-na da adolescência. Este plural não está particularmente adequado. Quem lhe roubou os anos do despontar tinha um nome e era um bom canalha, um daqueles cavalos de cento e vinte e quatro patas das crónicas do Dalton Trevisan: Edward West Browning, conhecido pela alcunha de Daddy, um milionário de Nova Iorque que fez uma fortuna incalculável a vender terrenos. Quando Edward conheceu Frances, tinha 51 anos, e ela 15. Esteve-se absolutamente nas tintas para aquilo que seria hoje um caso propalado de pedofilia. Os tempos eram outros. Estava-se em 1926. E Belle foi rapidamente envolvida num universo de dinheiro a rodos, de contratos publicitários e de fotógrafos ávidos de recolher imagens do casal, ela a chocalhar de joias e ele ao volante do seu Rolls Royce azul-pavão. Batia certo. Além da sua face cavalar também tinha gosto em pavonear-se. Sobretudo ao lado da sua bonita noiva-menina.

Para sacudir a água do capote, Daddy tratou de fazer a boda de forma discreta. Anunciou publicamente que os pais da rapariga tinham assinado um termo de acordo (o cheiro dos dólares não terá deixado de os embriagar) e que o casório seria realizado sob os auspícios do seu bom amigo, Vincent Pisarra, presidente da New York Society for the Prevention of Cruelty to Children. Parece brincadeira, mas foi muito sério. A vida de Peaches ficou marcada para sempre. E por razões macabras.

De início talvez fosse amor, não meto as mãos no fogo por ninguém em relação a esse assunto. Mas havia muito dinheiro ao barulho e não passava despercebido. Os jornais badalaram. Já tratavam Frances por Peaches. E foram escavando por aí fora. Falavam da rapariga com pernas de piano e de sorriso surpreendente e magnético. A primeira vez que o marido tinha posto os olhos nela fora num sarau dançante, no Hotel McAlpin, em plena Manhattan, e a irmandade Phi Lambda Tau, a que ela pertencia, recebeu concomitantemente um gratificante benefício em cheque avultado. Acho que todos percebem quem o assinou. Claro! Aquele que era igualmente conhecido por Fairy Godfather. Traduzimos para Padrinho das Fadas. Pois… Soa a podre. Não havia Hollywood capaz de disfarçar a realidade. Em determinados aspetos o curriculum vitae de Edwards parecia-se mais com um cadastro. Desenhador emérito, entretinha os seus amigos milionários com caricaturas pitorescas deles e de personagens conhecidas. Era obcecado por arte chinesa e, na sua mansão de Upper West Side, reservou três enormes salões para albergar jarrões gigantescos e uma parafernália digna de nota. Casara-se em 1915 com uma senhora chamada Nelle Adele Lowen, e ambos adotaram duas meninas mais ou menos da idade de Frances que, nessa altura, somava apenas cinco anos de vida. O Destino marca a hora. O seu casamento com Frances transformar-se-ia numa palhaçada que instigou todas as más línguas de Nova Iorque. E teve alguns contornos trágicos. Já lá vamos.

O ácido e o ganso

Muito bem. No dia 10 de Abril de 1926, após um namoro breve e tão mediático como já vimos, na vilória de Cold Spring, Philipstown. Putnam County, que não chegava aos dois mil habitantes, a pombinha e o pombão, por assim dizer (sem esquecer o ganso), davam o nó. O ganso não aparece por acaso nesta história, nem eu pregava uma partida dessas ao leitor. Edwards era apaixonado por um ganso que lhe tinham trazido de África, um bicho bem nutrido, e andava com ele de laçarote ao pescoço por todo o lado, até, pelos vistos, no quarto nupcial já que essa foi uma das primeiras queixas que_Peaches invocou para começar a emperrar a união entre ambos. O casamento acabou por ser de tal modo badalado que, no ano seguinte, o grande George Gershwin não hesitou em usá-lo num musical, Funny Face, com o luxo da presença de Fred Astaire e da sua irmã mais nova, Adele. Mais ainda: outro enorme, F. Scott Fitzgerald, usou-o como base do seu conto The Love Boat.

Volto um pouco atrás. Apenas uns dias antes da festarola, Frances apresentou queixa à polícia por ter sido atacada por um estranho que tentou atirar-lhe ácido à carinha laroca. Assunto sério. Mais sério ainda porque, apesar de não ter sido detido nenhum suspeito, e de jamais ter sido encontrado o perpetrador, Peaches deixou subentendido que o acto poderia ter sido instigado pelo próprio Edwards. Como é que alguém que sofre uma violência assim e desconfia do parceiro ainda cai na asneira de casar com ele, é pergunta que, desculpem-me, não sei responder. Mas, mais adiante, nas entrelinhas, o mistério desvenda-se a pouco e pouco. Peaches podia ter nome de fruta mas não era nenhuma pera doce. E para o provar, no dia dois de Outubro, com a ajuda da mãe e de umas tias, embrulhou os trapinhos (de valor!) e pôs-se na alheta abandonando o lar conjugal. Mais um escândalo para dar guita aos tabloides. E até o insuspeito New York Times dedicou várias reportagens a esta ligação tão fugaz quanto grotesca.

Frances compilou uma boa quantidade de jeremiadas contra o marido. Algumas sérias, como as de violência física, outras um bocado ridículas, como a de ter de dormir com o ganso na cama e passar os dias a ouvir da boca de Edwards uma frase batida: «Don’t be a goof!» (não sejas palerma!, numa tradução livre). A frase entrou de imediato na habitual chocarrice popular e voltou a surgir em nota artística, e outra vez num musical, composto por Richard Rodgers George Abbott, On Your Toes, que depois daria um filme no qual não faltou o inevitável Fred Astaire.

Enquanto se lançava numa carreira com altos e baixos no chamado vaudeville, Peaches tratava de tentar tirar o que pudesse do seu casamento destroçado. Nessa altura, nos Estados Unidos, os divórcios só tinham aceitação legal se uma das partes admitisse adultério e Frances e a sua mãezinha muito particular trataram de deitar por terra a imagem da noiva ingénua, aturdida pelo fascínio de um homem mais velho, charmoso e, sobretudo, muito, muito rico. Confessou em tribunal que tinha uma vida sexual muito ativa desde os treze anos, o que é de mulher!, e que traíra o marido diversas vezes com vários amantes. O juiz, que prezava tanto a honestidade como o juiz do Jorge_Palma prezava a vida, não embarcou nas balelas de Frances. Não precisou de fazer grandes cálculos para decidir que, durante seis meses de matrimónio, a moça dificilmente acumularia tantos casos amorosos a menos que andasse a pular de leito em leito todos os dias da semana. Bateu com o martelinho na mesa e disse NÃO!_Nem um tostão de pensão para a manhosa! Deu razão a Daddy e considerou que a esposa abandonara o lar sem qualquer justificação, protegendo-lhe a fortuna de um lance bastante mal calculado e cuja urdidura terá evoluído no cérebro caliginoso de sua mãe. Se Peaches queria umas mensalidades que fosse trabalhar. Que remédio. E assim o casamento heterogéneo durou até à morte de Edward, a 12 de_Setembro de 1934. Para os mais desconfiados, fez sentido que tenha passado por mais três matrimónios e por mais um affair controverso com o ator Milton Berle, que não por acaso também era bem abonado. Morreu no dia 23 de Agosto de 1956, aos 46 anos, depois de ter caído de borco no lajedo do seu quarto de banho e feito um lenho fatal na cabeça. Do ganso não voltou a haver notícias.