Na semana que antecede a tomada de posse do presidente eleito dos EUA, no próximo dia 20, o ainda Presidente Joe Biden resolveu indicar um novo risco para a democracia norte-americana e um caminho político para o seu partido.
O partido democrata passou a última década, década e meia, a discutir as questões culturais da agenda progressista ‘woke’. As eleições recentes demonstraram que não apenas essa agenda é amplamente minoritária do posto de vista cultural da população, como a adoção da mesma representou o afastamento das preocupações centrais do ‘americano médio’.
Parte da derrota dos democratas nas eleições está relacionada com esse distanciamento das necessidades reais das pessoas, logo, das mesas. O partido democrata transformou-se, pois, num partido de elites urbanas, esquecendo os operários das cinturas industriais e as pequenas cidades que, em grande medida fizeram o sonho americano.
A sua governação de terceira via, durante a década de ‘1990, muito antes dos anos ‘woke’, esteve associada aos anos do desenvolvimento do neoliberalismo que conduziu, em 2008, à crise do subprime, sendo mais uma marca do afastamento do americano médio que atrás referimos.
O discurso de despedida de Biden, no qual avisou para um novo perigo para a democracia norte-americana, o desenvolvimento de uma ‘oligarquia’, é, de certa forma, quer uma chamada de atenção para um problema, quer o recentrar do partido numa nova agenda política, mais próxima das suas bases tradicionais.
Curiosamente, esta chamada de atenção para o funcionamento da democracia e do sistema capitalista, encontra paralelo no último discurso de Eisenhower, em 1961, quando explicou o problema crescente do peso desmesurado do ‘complexo industrial-militar’ na sociedade norte-americana, por um lado, e das leis ‘antitrust’, do final do século XIX/início do século XX, implementadas para proteger a livre concorrência e a igualdade de oportunidades no sistema demoliberal do país, por outro.
O que é interessante é que, ainda que aquela a legislação seja em grande medida bipartidária, consiste de um conjunto de legislação aprovada por administrações lideradas por ambos os partidos, o presidente Eisenhower era republicano. Isto é, a agenda que Biden deixou com o seu discurso, que naturalmente aponta para a concentração de riqueza, poder e influência social de algumas figuras (entre as quais Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg), tem potencial centrista, como tal agregador.
Os mais céticos dirão que os novos ‘oligarcas’ em nada incomodaram o partido democrata quando eram seus próximos, e que só agora Biden chama atenção para o problema. Todavia, antes tarde do que nunca. Se, no passado, se dizia que «o que era bom para a General Motors era bom para a América», Biden parece querer dizer que «o que é bom para as ‘Big Tech’ não é necessariamente bom para a América».
Importa agora perceber se o partido democrata consegue duas coisas. Em primeiro lugar, se tem a capacidade de se unir em torno desta agenda (as suas fações fazem deste partido não apenas um, mas vários); e, também, se conseguem colocar este tema na agenda política e tornar o partido republicano no partido dos ricos e dos oligarcas – afastando-o do tal ‘americano médio’ que eleitoralmente os democratas perderam.
Ainda que o tema pareça distante do nosso quotidiano, marca-o sem que quase vamos dando conta: vemos o que nos mostram e condicionam-nos sem que o percebamos. Haverá força para lutar?
O verdadeiro legado de Biden
Os mais céticos dirão que os novos ‘oligarcas’ em nada incomodaram o partido democrata quando eram seus próximos, e que só agora Biden chama atenção para o problema.