Lembro-me de quando comecei a dar consultas a crianças, ainda longe de ser mãe e de saber o que me esperava do outro lado. Achava curiosa a opinião que muitas crianças tinham acerca das mães. Quando fazíamos a interpretação do desenho da família identificavam invariavelmente a mãe como o membro mais nervoso e que mais gritava. Na altura eu achava estranho e só mais tarde comecei a entender.
Muitas vezes as mães são vistas como o membro mais nervoso da família porque, regra geral, são também o mais presente, o mais ativo e o que se envolve e vive a vida dos filhos como se fosse a sua.
São geralmente as mães que assumem o papel primordial na saúde, na educação, no desporto e nas relações dos filhos. São as mães que aparecem nas consultas, que aparecem na escola, que vão às urgências com o filho debaixo do braço depois de deixarem os t.p.c. feitos, o jantar pronto, ao mesmo tempo que dão de mamar ao mais novo.
As mães embrenham-se de tal forma na vida dos filhos – para o melhor e para o pior – que difícil seria não ficarem nervosas.
Começam a preocupar-se na gravidez: se o bebé está a crescer devidamente, se as ecografias estão boas, se o peso está bom, se aguenta na barriga até às 40 semanas ou se vai nascer antes, se o enxoval está pronto ou se terá vaga na escola de eleição daí a três anos. Depois de nascer, à medida que cresce, juntam-se as quedas, as otites, as bronquiolites, toda a espécie de viroses e de ‘ites’, se se está a desenvolver bem, se está triste ou feliz, se brinca com os amigos, se a educadora é simpática mas não ensina ou se é antipática mas ensina bem, se aquela escola é realmente boa ou se será que a das filhas da vizinha é melhor, se deve tirar um mestrado aos três anos ou se é melhor esperar pela maioridade. E depois vêm os testes, as notas, as más companhias, os namorados e as namoradas, mais as noitadas… Enfim… As mães assumem e vivem todas as essas ‘preocupações’ como se fossem suas – e que, de facto, passam a ser, – e trazem-nas na cabeça durante todo o dia e depois quando se deitam e também quando acordam a meio da noite e quando se levantam de manhã, muitas vezes depois de uma noite mal dormida.
Tudo a que um filho saudável e em desenvolvimento tem direito está no puzzle mental da mãe. E lá estão elas para os acompanharem o melhor que sabem, para se preocuparem, para os educarem, para repetirem mil vezes o que acham importante mesmo quando ninguém as está a ouvir, para insistirem, para se enervarem – porque não são de ferro – e, no fim, para gritarem e se esganiçarem, quando já não sabem mais como fazer.
Às vezes os filhos nem se apercebem de onde apareceu aquela trovoada, mais os raios e coriscos. Ainda há instantes o céu estava de um pacífico azul celeste. Provavelmente nem ouviram as cento e cinquenta vezes em que mãe disse, ainda em voz relativamente baixa, para não deixarem a toalha no chão, para estudarem ou para largarem o telemóvel. Porque estavam mais preocupados a pensar na sua vida cheia de emoções ou sorridentes e absortos a responder a mensagens importantes, do que a ouvir coisas que às mães parecem sempre cruciais e urgentes, mas que para eles não têmr importância nenhuma.
Às vezes as mães gritam porque a preocupação é demasiada, porque o desejo é intenso, porque o amor é mais do que imenso. As mães gritam porque querem o melhor para os filhos, porque esgotam as suas energias a tentarem ser perfeitas, para que os filhos sejam os mais felizes, os mais capazes, os mais preparados para tudo o que aí vem. Gritam não por acharem que assim vão ser mais ouvidas, mas porque se preocupam demasiado, se esforçam demasiado. E, sobretudo, porque amam demasiado, se é que isso é possível.
Porque é que as mães gritam tanto?
As mães embrenham-se de tal forma na vida dos filhos – para o melhor e para o pior – que difícil seria não ficarem nervosas.