Ponto prévio: um homem presumir que sabe o que sente uma mulher objeto de discriminação salarial é tolo.
Não deve haver nada mais frustrante no trabalho do que alguém que se esforça no seu dia a dia, produz igual (por vezes mais), para no final ser prejudicado(a) no que recebe ou nas oportunidades que são oferecidas. Se esta circunstância é, por si só, frustrante, como lidar com a situação quando isso decorre de algo que não se pode ultrapassar? A natureza.
No universo Estado a situação da remuneração está relativamente estabilizada, uma vez que os ordenados estão tabelados por Lei. A situação torna-se mais evidente quando mergulhamos na realidade das empresas.
Apesar da aprovação, em 2018, da Lei da igualdade salarial, nas últimas semanas veio a público que a Autoridade para as Condições de Trabalho notificou cerca de 4 mil empresas para explicarem as razões das disparidades salariais de facto, praticadas entre homens e mulheres com iguais funções.
Claro está que podemos elogiar que mais 15 mil empresas receberam, no ano passado, o selo da igualdade salarial. Todavia, apesar desta situação ser positiva, estaríamos apenas a elogiar empresas por algo que deve constituir um adquirido. O que é preocupante é saber que há mais de 4 mil empresas que têm práticas discriminatórias, sem que as mesmas possam ser compreendidas.
A situação é particularmente mais grave, quando percebemos que este não é um problema português, é global. Nem sequer me refiro às diferenças entre o ‘ocidente alargado’ e o resto do mundo, quando sabemos que, por razões de processo de desenvolvimento, este ‘ocidente alargado’ é, por si só, o melhor lugar nestas matérias.
Nem o mesmo se aplica apenas a pequenas empresas. Na Califórnia (nos EUA), onde há legislação protetora de igualdade salarial, no Universo Disney (com exceção às aquisições empresariais recentes do grupo), descobriu-se que, entre 2015 e 2022, as funcionárias, seja dos parques, seja das produtoras de filmes ou séries, foram prejudicadas em cerca de 150 milhões de dólares.
O acordo judicial histórico, de 2023, entre as funcionárias e a empresa, implicou uma indemnização às queixosas de 43 milhões de dólares! Ainda que a indemnização média com este acordo sejam 4300 dólares por funcionária, as mesmas foram prejudicadas, em média, em 15 mil dólares: cerca de 2 mil dólares por ano. Parece pouco? Imagine-se a receber menos 200 dólares por mês do que um colega em igual função, sem razão aparente. Absurdo!
A situação é mesmo essa, de absurdo. Vivemos em sociedades democráticas, com leis que, na maior parte dos casos, protegem os direitos fundamentais dos cidadãos, mas onde, demasiadas vezes, as práticas não são coerentes com os princípios proclamados.
Podemos afirmar que estas são mudanças recentes para problemas discriminatórios antigos, referentes aos papéis dos homens e das mulheres nas sociedades, que não são ultrapassáveis de um momento para outro. Não obstante, onde sabemos existir injustiça, devemos insurgir, denunciar e agir. E, neste caso, não há ‘trabalho igual, salário igual’.
Não podemos aceitar que ‘até para nascer seja preciso ter sorte’!