Se um médico pode ser substituído por um computador, então merece ser substituído por um computador». A frase é da autoria de Warner Slack, médico e professor de Medicina na Universidade de Harvard e foi proferida há mais de 50 anos. O seu trabalho pioneiro sobre registos médicos eletrónicos tinha como objetivo investir nos doentes incentivando-os a contribuírem com informações sobre o seu estado através do uso de computadores. Para ele, os doentes eram o recurso mais subaproveitado em Saúde. Foi um defensor da contribuição dos doentes na elaboração dos seus registos médicos pessoais. Num artigo publicado na revista The Lancet – O direito do doente a decidir – apresentou uma ideia, então radical: ‘O poder do doente’. Acreditava no relevante papel dos doentes na orientação dos seus cuidados. A sua proposta vinha no sentido de encorajar doentes e médicos a derrubarem a natureza tradicionalmente paternalista dos cuidados de saúde.
A medicina moderna tem vindo, de facto, a afastar-se de uma prática paternalista dando cada vez maior importância ao envolvimento dos doentes nos processos de decisão relativos aos seus cuidados de saúde. O trabalho de Warner Slack contribuiu efetivamente para colocar o computador ao serviço do doente mas sem por em causa o papel essencial da relação especial médico-doente. No entanto, atualmente, o uso generalizado de computadores, de novas tecnologias e, cada vez mais, de inteligência artificial (IA) tem vindo, por sua vez, a criar importantes desafios à valorização da relação médico-doente como elemento central nos cuidados de saúde.
O exercício da medicina está progressivamente a afastar-se da sua forma tradicional, assente na participação humana, baseando-se agora em ações de natureza cada vez mais tecnológica. A tecnologia é sem dúvida muito útil no diagnóstico e tratamento das patologias mas não pode relegar para um segundo plano as ligações humanas fundamentais para o estabelecimento de uma boa relação com o doente. A relação de confiança a estabelecer com a pessoa doente, através de uma eficaz capacidade de comunicação, de respeito, de empatia e de compaixão, exigem um contacto humano que a tecnologia não pode disponibilizar.
O médico arrisca-se a ser ultrapassado hoje em dia pela IA, se não exercer diariamente, na sua prática clínica, os privilégios que o caracterizam e diferenciam como ser humano e que são fundamentais para o bom exercício da medicina: a cortesia, a empatia e a compaixão. Médicos que não valorizem o lado humano do atendimento ao doente correm sério risco de serem considerados obsoletos.
Está cientificamente demonstrado que uma atitude empática e compassiva por parte do médico faz toda a diferença. Tudo isto faz parte da ‘outra metade da medicina’ tão bem caracterizada por Rui Mota Cardoso: «A outra metade da medicina é a da arte de saber fazer medicina e não a da técnica de fazer o saber da medicina. A metade que pensa o doente antes da doença, o sofrimento antes do sintoma, o cuidador antes da prescrição».
A medicina é uma ciência assim como é uma arte. A interação humana é insubstituível na construção de uma relação terapêutica eficaz.
Se um médico pode ser substituído por um computador, então é porque, muito provavelmente, não sabe o que é ser Médico!
Um médico não pode ser substituído por um computador
O exercício da medicina está a afastar-se da sua forma tradicional, assente na participação humana, baseando-se agora em ações de natureza cada vez mais tecnológica.