‘Ser-se especial nem sempre é bom sinal’

Os direitos especiais dos Polícias são totalmente justificados, devendo ser encarados não como privilégios, mas sim como restituições previdentes por uma vida profissional especialmente onerada e psicologicamente severa.

Esta semana fomos sobressaltados com uma aparente dúvida de um grupo de trabalho constituído para (re)analisar e atualizar as profissões consideradas de desgaste rápido, as quais têm, por óbvias razões, regimes legais privilegiados de acesso à aposentação, quer em termos de tempo, quer até de remuneração.
Aparentemente terá havido um dissenso quanto às profissões que deveriam figurar no regime, e um curioso consenso quanto a considerar-se que o desgaste deverá merecer uma abordagem diferente que não passe, pasme-se, pelos efeitos em sede de reforma antecipada e direitos afins.

A curiosidade espreita apenas na oportunidade da dúvida súbita que se instalou, e numa eventual corrente que possa querer ser seguida. Lembramos como a profissão de Polícia é tratada lá fora, e é só observar atentamente um relatório de 2020 da Comissão Europeia sobre reformas especiais, que percorre todos os Estados-Membros, e onde as Polícias figuram em todos eles como carreiras especiais, sendo contempladas, em jeito de compensação por uma vida de trabalho especialmente desgastante, com alguns benefícios especiais, designadamente, acesso antecipado à pré-aposentação e aposentação, de quotizações menores para a sistema de pensões, de cortes menores na forma de cálculo para o valor final da reforma, de bonificações na contagem de tempo.
Este acervo de direitos especiais poderá parecer, à primeira vista, muito quando comparado com os demais setores profissionais, mas não é. E não é desde logo porque o especial desgaste e degradação destes profissionais, não só a nível físico, mas sobretudo psicológico, por ter que lidar invariavelmente com cenários de profunda tensão, stress e risco, redundam numa perda média de mais de 10 anos de vida . Será que tudo isso é muito para compensar mais de 10% do tempo médio de vida atual em Portugal? Isto sem esquecer que a perda se dá não só na longevidade mas também na qualidade desse hiato menor de tempo, e descanso, que o Polícia vai poder usufruir junto da sua família, aquela que passou tanto tempo, tantos dias e tantas noites, longe do seu ente.
E não nos esqueçamos também das elevadas taxas de suicídio que infelizmente existem nas Forças de Segurança, com mais do dobro da taxa da população em geral . Não será certamente obra do acaso ou do infortúnio. As causas estão estudadas e apresentadas e todas confluem numa conclusão comum, esta é das profissões que mais comprime o bem-estar e a saúde mental das pessoas, levando-as muitas vezes a situações de burnout, de desespero e, tragicamente, de suicídio. Isto acontece cá, mas acontece também noutros países, sendo que na nossa vizinha Espanha os indicadores são igualmente muito elevados .
Os direitos especiais dos Polícias são, por isso, totalmente justificados, devendo ser encarados não como privilégios, mas sim como restituições previdentes por uma vida profissional especialmente onerada e psicologicamente severa.
É importante que o Governo não se esqueça disso e, aproveitando o momento, não se esqueça de equiparar o regime de reformas entre a GNR e a PSP que, de forma incompreensível, tem gerado diferenças incompreensíveis entre profissionais que a este nível não apresentam razões para ser diferenciados. O Governo anterior perdeu uma boa oportunidade para o fazer, esperemos que este não siga o mesmo exemplo.

https://economy-finance.ec.europa.eu/system/files/2020-04/dp125_en.pdf
https://cnnportugal.iol.pt/sociedade/videos/estudo-policias-tem-menos-11-anos-de-vida
https://www.ine.pt/xportal
https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/taxa-de-suicidio-nas-forcas-de-seguranca-e-quase-o-dobro-da-taxa-da-populacao-em-geral/
https://www.jn.pt/2181204150/ha-mais-policias-a-morrer-por-suicidio-do-que-em-funcoes/
https://observador.pt/2016/09/08/governo-aprova-consulta-de-diplomas-sobre-reformas-de-militares-e-policias/

Líder do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia