A Alemanha precisa, a Europa desespera

Se as eleições alemãs acabam por ser um tema acompanhado com relativo interesse em Portugal, o sufrágio deste ano tem algumas particularidades, quer do foro interno, quer externo, que aguçam ainda mais o apetite.

Este domingo terão lugar as eleições federais na Alemanha. Desta ocasião – em que serão eleitos os 630 deputados que irão compor as fileiras do Bundestag ao longo da sua vigésima-primeira legislatura -, emanará também a solução governativa que conduzirá os destinos da principal potência económica do velho continente durante, previsivelmente, os próximos quatro anos .

Importa recordar que a próxima eleição federal só estava prevista para o dia 28 de setembro de 2025. As eleições antecipadas deste fim de semana foram convocadas pelo Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, fruto da rejeição de uma moção de confiança apresentada por Olaf Scholz. A moção fora apresentada na sequência de mais uma ronda de desentendimentos no seio da “coligação semáforo” – composta pelo SPD, Verdes e FDP -, e que culminaram com a demissão do Ministro das Finanças Christian Lindner (FDP) e consequente retirada de apoio do seu partido à solução governativa que, assim, perdeu a maioria parlamentar que a suportava até então.

Se as eleições alemãs acabam por ser um tema acompanhado com relativo interesse em Portugal, o sufrágio deste ano tem algumas particularidades, quer do foro interno, quer externo, que aguçam ainda mais o apetite.

Do ponto de vista interno, assistiremos a umas eleições antecipadas (algo particularmente raro na história alemã), nas quais se antecipa uma cristalização das intenções de voto na AfD – recolhendo esta, em média, 21% das preferências dos estudos de opinião recentemente publicados. Em contraponto, o SPD corre o risco de passar do partido mais votado – e líder do governo -, para um partido que luta, taco a taco com os Verdes, para garantir o terceiro posto – deixando a liderança da oposição entregue à AfD. Tudo isto assente numa economia que se está a retrair há dois anos consecutivos e que vê algumas das suas principais empresas a enfrentar serias dificuldades, tendo até, em alguns casos, anunciado despedimentos ou programas de antecipação de reforma, como são o caso da Bosch, da Continental ou da Volkswagen.

Como se a situação já não fosse suficientemente turbulenta, há que ainda juntar-lhes, na vertente interna: a crise na habitação, motivada por uma reduzida oferta, em particular nas maiores cidades; a dicotomia na abordagem em matéria energética, com uma parte da opinião pública a favor da continuidade na aposta em RES e outra a sugerir a reparação dos gasodutos Nord Stream, a retoma da importação de gás russo e a reabertura de centrais nucleares; e os desafios no âmbito da imigração, desde aos elevados números de pedidos de asilo e os desafios no processo de integração de refugiados e migrantes, até aos números da criminalidade e à perceção de (in)segurança que assola os cidadãos – alimentada pelos recentes ataques em Aschaffenburg, Magdeburg, Mannheim, Munique ou Solingen.

Relativamente aos desafios externos, os maiores quebra-cabeças serão o alinhamento entre aliados quanto aos investimentos na defesa; o tipo de apoio a ser prestado à Ucrânia e a forma de concretizar esse apoio; bem como o relacionamento com os EUA, numa altura em que, após um mês após a tomada de posse de Donald Trump, já é por demais evidente a nova abordagem de afastamento que os americanos tencionam empregar na sua relação com os aliados europeus.

É neste contexto, económico, político, social e internacional complexo que o novo chanceler irá assumir a sua governação. Salvo um descalabro monumental a CDU/CSU liderada por Friedrich Merz sairá como a vencedora das eleições do próximo domingo.

Pela natureza do próprio sistema eleitoral alemão é bastante improvável que um só partido (neste caso a coligação CDU/CSU) consiga formar governo sem ter de recorrer a um acordo mais alargado que lhe permita atingir a maioria parlamentar. Desta equação parece já estar arredado o AfD, partido o qual Merz já afirmou publicamente que não incluirá numa potencial solução governativa por si liderada. No entanto, para gaudio do líder do partido do histórico Konrad Adenauer, há outras opções em cima da mesa – e para praticamente todos os gostos.

Em primeiro lugar importará sempre a dimensão da vitória dos democratas-cristãos – quanto mais robusta esta for, de menos parceiros necessitará (apenas um) e maior será o seu leque de opções. Do que vou ouvindo nas ruas, cafés ou em conversas com os meus colegas alemães, parece evidente para muitos que a SPD de Scholz será o parceiro predilecto – sendo natural que nesse cenário Scholz se afaste e abra o caminho para que algum outro social democrata possa vir a ocupar o posto de vice-chanceler alemão, com Boris Pistorius à cabeça.

Outras opções poderão inclui os Verdes, caso estes consigam um resultado muito próximo dos sociais-democratas; ou uma coligação mais alargada com os Verdes e a FDP – os liberais alemães -, caso os últimos consigam atingir a barreira dos 5% necessários para assegurar representação parlamentar. Independentemente da formulação encontrada uma coisa é certa: Merz terá invariavelmente de incluir propostas de outros quadrantes no seu programa de governo.

No actual contexto geopolítico, as eleições deste domingo assumem uma importância redobrada, com relevantes implicações internas e com significativas ramificações em toda a Europa. Espera-se não só que a Alemanha seja mais um país a contribuir para a concretização do projecto europeu, mas que esteja, acima de tudo, no epicentro das discussões e tomadas de posição, bem como na vanguarda da sua representação externa, voltando a assumir a centralidade a que nos acostumou no passado e deixando para trás a postura pouco afirmativa com que nos brindou nos anos recentes. A Alemanha precisa, a Europa desespera.