Pinto da Costa (1937-2025). Destemido e guerreiro

Jorge Nuno Pinto da Costa, o presidente mais titulado do mundo, morreu aos 87 anos. Destemido e corrosivo, lutou durante décadas contra tudo e contra todos para defender o seu FC Porto. O clube tornou-se uma referência em Portugal e ganhou projeção mundial. 

Com a morte de Pinto da Costa, aos 87 anos, fechou-se um ciclo no FC Porto, mas também no futebol português. O presidente portista era o último representante de um dirigismo muito próprio, que fez escola no futebol cá do burgo. Gravemente doente devido a um cancro na próstata diagnosticado em 2021, sabia que o fim estava próximo, mas nunca teve medo da morte, isso ficou bem patente no seu último livro “Azul até ao fim”, publicado em outubro do ano passado. Elaborou o guião daquele que seria o seu último capítulo e, correu quase tudo como previsto, só falhou a passagem pelo Estádio do Dragão…, mas manteve o atual presidente André Villas-Boas e alguns «traidores» fora das exéquias fúnebres, numa atitude que mostra que nunca aceitou a derrota eleitoral. Mesmo na morte, Pinto da Costa foi igual ao que tinha sido em vida. Destemido, provocador, polémico e com sentido de humor.

Pinto da Costa cresceu numa família burguesa, teve uma educação cristã, era devoto da Nossa Senhora de Fátima, o que explica as frequentes paragens da comitiva azul e branca no Santuário, e frequentou os melhores colégios do Porto, cidade onde nasceu a 28 de dezembro de 1937, o dia dos Santos Inocentes.

Seis décadas

ao serviço do FC porto

Desde miúdo que tinha a paixão pelo futebol, ao mesmo tempo que se mostrava um bom aluno em português, francês e música. Começou a ver jogos com o tio Armando Pinto, que era presidente do Famalicão e sócio do FC Porto – a primeira partida foi contra o Braga, mas foi com o apoio da mãe que se candidatou à presidência do clube, em 1982. Quando esperava ouvir uma reprovação, a mãe disse-lhe que o FC Porto precisava dele e decidiu avançar. «Não se pode dizer não a uma mãe», escreveu no livro “Largos dias têm 100 anos”, lançado em 2004. 

Pinto da Costa dedicou mais de seis décadas da sua vida ao FC Porto como dirigente. Com 20 anos, foi convidado por Afonso Pinto de Magalhães para ser vogal do hóquei em patins, mais tarde foi responsável pelo boxe, onde conheceu o seu fiel amigo Reinaldo Teles. Em 1969, chegou a diretor das modalidades amadoras, foi a primeira vez que assumiu um cargo diretivo no FC Porto, e, em 1976, foi nomeado diretor do futebol. Estavam lançadas as bases para uma nova era com dois factos marcantes: fez regressar José Maria Pedroto ao FC Porto e iniciou um discurso contra os inimigos de Lisboa. As primeiras conquistas começaram dois anos depois com a Taça de Portugal e Supertaça, falhou a Taça da Taças, que perdeu na final (1-2) contra a Juventus. A guerra Norte-Sul criada por Pinto da Costa teve um episódio relevante que foi a contratação de Futre ao Sporting, num período em que havia um pacto de não agressão entre os três grandes.

O presidente

mais vitorioso

Pinto da Costa foi presidente do FC Porto entre 23 de abril de 1982 e 7 de maio de 2024. Durante esse período o maior clube do norte do país cresceu e tornou-se um símbolo do futebol a nível nacional e além-fronteiras. Podemos dizer que o FC Porto cresceu com a cidade e a cidade cresceu com o sucesso desportivo do FC Porto.

Foi o grande responsável pelo crescimento e afirmação do clube a nível nacional e internacional. Longe vão os tempos em que os azuis e brancos passavam a Ponte da Arrábida com o peso de pesadas derrotas. Sob a sua presidência, o FC Porto viveu os melhores momentos da sua história. Venceu duas Ligas dos Campeões, duas Ligas Europa, uma Supertaça Europeia, duas Taças Intercontinentais, 23 títulos de campeão de Portugal, 16 Taças de Portugal, 22 Supertaça de Portugal e uma Taça da Liga.

Na campanha eleitoral de 1982, disse que queria chegar a uma final europeia, mas para isso tinha de construir uma equipa forte, foi muito além do que prometeu. Nos 42 anos de presidência, venceu 15 atos eleitorais, em 12 foi candidato único, e liderou o clube durante 15.344 dias. Entrou para a história do futebol mundial como o presidente mais vitorioso com 2.591 troféus, sendo 69 com a equipa principal de futebol. Desses, sete são conquistas internacionais, coisa que nenhum outro clube português conseguiu. O seu principal perseguidor é Florentino Pérez, de 77 anos, que conquistou 60 troféus com a equipa principal do Real Madrid.

Atualmente, o FC Porto é o clube com mais títulos no futebol nacional, conquistou 86 troféus contra 85 do Benfica, incluindo sete títulos internacionais, coisa que mais ninguém conseguiu. Os números dão que pensar.  Enquanto Pinto da Costa esteve sentado na cadeira de sonho nas Antas e Dragão, o FC Porto venceu 23 campeonatos, contra 14 do Benfica e quatro do Sporting. Até 1982, os azuis e brancos tinham sido campeões nacionais apenas sete vezes em 89 anos, na vigência de Pinto da Costa venceram 23 em 42 anos. Venceu também mais Taças de Portugal (16) do que o Benfica (11) e Sporting (7) e, no total, conquistou 69 troféus, um número que envergonha os rivais Benfica e Sporting, que juntos  conquistaram apenas 64 troféus (Benfica 40 e  Sporting 24). Passou sempre a ideia de que as finais não se jogam, ganham-se e os jogadores fizeram-lhe a vontade. Pinto da Costa festejou como poucos. Ao longo da sua presidência assistiu, quase sempre no relvado, a 2.106 jogos, onde obteve 1.435 vitórias, 373 empates e 298 derrotas.

A obra do ex-presidente vai além dos sucessos desportivos e inclui a construção do Estádio do Dragão, do Dragão Arena e do Museu, que deverá chamar-se Pinto da Costa. Faltou o centro de estágio.

O decano presidente transformou o clube e deu-lhe maior projeção, o que foi reconhecido pelo atual presidente André Villas-Boas. «Vemos partir um homem que marcou o FC Porto, os seus associados e adeptos, a cidade, a região norte e o país. O presidente dos presidentes dedicou toda uma vida para colocar e elevar o nome da instituição ao topo do mundo. O FC Porto abraçá-lo-á na eternidade», referiu.

Um Estado à parte

O desgaste provocado por uma liderança fechada de 42 anos, os graves problemas financeiros, confirmados pela recente auditoria forense realizada pela consultora Deloitte, que revelou um completo falhanço na área financeira associado a más práticas, e a proteção dada à sua guarda pretoriana, leia-se Super Dragões, contribuíram para o desfecho das eleições para a presidência realizadas o ano passado, e cujos resultados se recusou a aceitar. Foi o princípio do fim. Em abril de 2024, Pinto da Costa perdeu as eleições presidenciais do FC Porto. Foi o ato eleitoral mais participado da história do clube que deu uma vitória esmagadora a André Villas-Boas, com 21.489 votos (80,3%). O ex-presidente saiu com a glória dos títulos, mas já tinha perdido grande parte da base de apoio, é que, apesar de todas as ameaças, os associados tinham consciência do que se estava a passar no clube como demonstram os 5.224 votantes (19.5%) que ainda acreditaram em Pinto da Costa.