‘Assim ficam os Polícias’

Não querendo fazer uma imputação unilateral a este Governo, quase tudo ficou por fazer, e não se diga que se fez muito através da correção parcial de uma injustiça na compensação paga aos Polícias pelo risco que enfrentam.

Escrevemos este texto com mais uma infeliz memória, a de ter visto mais um camarada nosso, pertencente a esta singular família azul Polícia, partir, deixando destroçados todos os que o conheciam, mas também todos os que partilham com ele esta nobre missão de entregar a sua vida à causa pública. É mais um que se junta a tantos outros, lembrados por Nós, esquecidos por quem continua a olhar com miopia para o presente e futuro das Forças de Segurança, e em particular da PSP.

Curioso que a palavra segurança aparece uma média de 82 vezes ao longo dos 8 programas eleitorais referentes às anteriores eleições legislativas, expressando bem a ampla importância que tem em quase todos os setores estratégicos do Estado. Fala-se em segurança pública, mas fala-se também em segurança escolar, em segurança na saúde, em segurança energética, em segurança laboral, em segurança no desporto, em segurança rodoviária, em segurança florestal, em segurança nas fronteiras, em cibersegurança, entre muitos outros que poderíamos aqui elencar. Mas, no meio deste caldo polissémico, qual é o denominar comum? É que a Polícia é o principal precursor e guardião de todas elas, com mais intervenção numas que noutras, mas indiscutivelmente o ator chave para que tenhamos um clima de segurança globalmente favorável à nossa manifestação de liberdade. E é tendo por base esta realidade que há muito se devia ter consolidado um verdadeiro conceito estratégico de segurança interna alinhado com os desafios tremendos que a Europa, e Portugal em particular, está e irá enfrentar, devendo ser pensado [como infelizmente não está a ser] em estreita articulação com o conceito estratégico de defesa que, combinados, edificariam um conceito estratégico de segurança e defesa nacional que esteja à altura do contexto geopolítico atual, onde a velha e caduca classificação bicéfala de ameaças externas e internas, há muito que deu o seu lugar a ameaças difusas e híbridas.

Mas, não querendo fazer uma imputação unilateral a este governo, quase tudo ficou por fazer, e não se diga que se fez muito através da correção parcial de uma injustiça na compensação paga aos Polícias pelo risco que enfrentam, todos os dias, no combate às ameaças que se geram nos plúrimos âmbitos já mencionados. É que, mesmo tendo sido só um ano de governação, não se vislumbra grande pavimentação do caminho que há muito devia ter sido percorrido para se inverter a decadência numa profissão que há muito foi abandonada, tudo por ausência de políticas que assegurassem uma correspetividade mínima com a prioridade e essencialidade do seu trabalho, não apenas para o funcionamento do Estado, mas sobretudo para o bem-estar das pessoas que lhe dão fundamento. Os programas eleitorais têm sido, neste domínio, muito eleitoralistas, demasiado panfletários e pouco reformistas.

Mas parece que só nos lembraremos quando colapsarmos, sem condições para reverter o que criámos, acreditando que por mera magia os Polícias conseguirão acorrer a tudo e a todos.

Começamos este ano com valores terríveis nos homicídios, com mais de 20 em pouco mais de 2 meses, com especial realce, muito negro assinala-se, na violência doméstica, flagelo que todos os dias é merecedor de discussão pública e recorte noticioso. Como é que conseguimos prevenir e reagir assim?

Então e no domínio da segurança rodoviária com Portugal a apresentar das taxas mais elevadas de mortalidade da união europeia? Como é que conseguimos prevenir assim?

À parte a espúria e acientífica discussão da criminalidade e imigração, facto é que a população em Portugal aumentou mais de 10% nos últimos dez anos segundo notas recentes do Governo , acrescentando-lhe recordes atrás de recordes nas visitas de estrangeiros a Portugal? Como é que conseguimos assegurar a sua segurança assim?

É que já não passa apenas por relembrar que as Polícias portuguesas são das que menos recebem em toda a União Europeia, ou que o investimento executado nunca foi tão baixo, ou que o número de candidatos para a PSP nunca foi tão reduzido, com pouco mais de 2000, segundo as recentes notícias, para preencher 800 vagas, é preciso mudar o paradigma de acesso, de permanência e, não menos importante, de saída, tudo para que não tornemos a Polícia uma espécie de balão de ensaio da terceira idade com uma média acima dos 45 anos. Aliás, não foi ao acaso que o Sr. Diretor Nacional da PSP disse, ainda há uns dias, que serão precisos entre 3500 a 5000 polícias a breve trecho para invertermos esta trajetória. É importante tratarmos os que cá estão com dignidade, mas é essencial tratarmos com respeito os que saem, e isso passa por dar-lhes uma pensão que traduz a especial penosidade que passaram ao longo de uma vida, discriminando-os de forma particularmente positiva na passagem à aposentação, aliás, como ainda esta semana vimos reivindicar, e muito bem, nas forças armadas.

O que é então preciso fazer? Já em tempos idos dissemos aqui que os Polícias não precisavam apenas de dinheiro, e que havia muito que poderia ser feito, várias medidas que poderiam ser implementadas, para infletir este rumo, e parece que algumas delas foram tidas em linha de conta na recente alteração estatutária que foi aprovada para os Bombeiros. Ressaltam, entre outras, bonificações de tempo para a reforma, a existência de seguros que acautelem acidentes em serviço e assegurem uma rápida intervenção médica, a atribuição de isenções e bonificações no acesso ao ensino secundário e superior, para os próprios e descendentes, a atribuição de um acesso privilegiado a creches e berçários ou, em alternatividade, a atribuição de um cheque-creche, entre muitas outras que dão robustez e dignidade à profissão, mas sobretudo espelham bem a forma prioritária com que o Governo olhou para o setor.

É por isso que estas negociações que estavam em curso, pautadas por manifesta inconsequência, eram tão importantes. E utilizamos o tempo verbal passado pois ainda que o Governo não o tenha assumido formalmente, espera-se que venha agora dizer não ter condições políticas e jurídicas para as continuar. Não existe impedimento algum à continuidade mesmas, até porque não só o vislumbre de um desfecho em 2 meses seria manifestamente remoto, como a discussão só nos permitiria ganhar tempo, sobretudo se o atual Governo for reeleito. É essa a responsabilidade que esperamos de quem devia ter a consciência de que o tempo perdido custar-nos-á muito caro, e que é o futuro de Portugal que está em jogo.

Presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da PSP