Estado de Direito? Já era!

‘Uns são filhos, outros enteados’, conforme o Estado-Membro é considerado amigo ou inimigo! Para a Presidente da Comissão alguns Estados são considerados inimigos!

Durante décadas a União Europeia orgulhou-se de ser um sinónimo de democracia, e juntamente com a atração que o seu modelo social exercia em grande parte do mundo, Bruxelas procurou impôr o nosso sistema político em toda a parte. Acreditamos na democracia, e erradamente a tomámos como definitiva, esquecendo que é o seu exercício diário que a fortalece ou enfraquece.

E como os seus atores principais o foram descurando, a triste realidade é que o sistema foi-se deteriorando significativamente, e as tradicionais forças liberais responsáveis por esse enfraquecimento contentavam-se em acusar forças populistas em ascensão pela sua degradação. Estas forças liberais apenas se iludem a si próprias, já que com o wokismo e o exacerbado terrorismo climático, deviam olhar-se ao espelho e censurar a si próprias!

Democracia não são só eleições livres e justas. Vai a par com tolerância, transparência e responsabilidade. Os líderes políticos nas nossas sociedades têm que ser exemplos de justiça e compromisso, têm que ser os primeiros a dar o exemplo com o seu comportamento quotidiano.

Infelizmente, há algum tempo que este deixou de ser o caso. Todos estamos recordados do triste episódio da compra de milhões de vacinas contra a covid por SMS. Eventualmente, não houve nada de errado, o resultado salvou milhões de vidas, mas o comportamento opaco manchou todo o exercício. E a responsabilidade não é apenas da Presidente da Comissão, é do Conselho que pareceu não se importar, e é essencialmente do Parlamento Europeu que permitiu à Senhora von der Leyen não responder às suas questões, e ratificou a sua reeleição sem encerrar este deplorável capítulo. Fora da bolha política, a responsabilidade é também da sociedade civil, e nesta primordialmente da comunicação social internacional, que não exigiram aos políticos esclarecer cabalmente este precedente irresponsável. Ao menos parece que agora houve quem não permitisse que se comprassem tanques, jatos ou mísseis por SMS!

Da Comissão Europeia, de cada Comissário e especialmente da sua Presidente, espera-se que atuem sempre de forma imparcial e isenta, tratando todos os Estados-Membros da mesma forma justa, independentemente do poder demográfico e económico e da ideologia política de cada Governo. É óbvio que, condenavelmente, não é este o seu comportamento hoje em dia, particularmente da sua liderança.

Recordemos alguns tristes exemplos:

• Há anos que a França viola flagrantemente o seu nível de dívida, numa dimensão que pode mesmo pôr em causa a estabilidade da Zona Euro; Bruxelas não faz nada! Uma Vergonha!

• O Governo anterior da Polónia seguia uma linha que desagradava à Comissão, von der Leyen ameaçou com multas e o artigo 7; mesmo perdendo as eleições, o amigalhaço Tusk consegue formar uma Coligação maioritária e tudo é levantado, mesmo se o novo Governo não reverte nada! Uma Vergonha!

• Ainda mais preocupante em termos de democracia, o BEC, Gabinete Central Eleitoral da Roménia, viola a Constituição, invalida eleições e candidatos quando os resultados não agradam a Bruxelas, a Presidente aplaude e diz que é apenas uma questão interna da Roménia! Uma Vergonha!

• George Soros e a USAID interferem na Imprensa e nas Campanhas Eleitorais de alguns Estados-Membros e para Bruxelas, nestes casos, está tudo bem porque estão a defender a democracia! Uma Vergonha!

• Alguns países candidatos multiplicam-se em reformas e tentam desesperadamente ao longo de anos abrir e/ou concluir capítulos de negociação para a sua adesão, e a Presidente opõe-se, protela indefinidamente, mas no caso da Ucrânia é só facilidades e tudo tem que estar feito até 2030! Uma Vergonha!

• Alguns Estados-Membros com diferendos com a Comissão tentam encontrar compromissos para ultrapassar essas dificuldades, mas de cada vez que ultrapassam uma barreira na reunião seguinte a Comissão regressa com novos problemas e objeções; o importante é não chegar a qualquer acordo porque os amigos da Presidente que são a maioria em Estrasburgo podem não gostar, e não desagradar a esses Eurodeputados é o supremo objetivo, para que nada se possa refletir nela! Uma Vergonha!

A lista podia continuar e ser bem mais longa! Ridículo! Podemos levar a Comissão e a sua Presidente a sério? Não! Outra Vergonha!!!

Para quem acredita no Projeto Europeu, este comportamento é um desastre total. Gostávamos de ver uma Comissão empenhada em defender o interesse dos 27 de igual modo, com um tratamento justo para com todos. Mas não, testemunhamos diariamente uma regra para os ‘obedientes’, outra para os restantes. ‘Uns são filhos, outros enteados’, conforme o Estado-Membro é considerado amigo ou inimigo! Sim, acredite o leitor ou não, para a Presidente da Comissão alguns Estados são considerados inimigos!

Uma das mais importantes atribuições da Comissão é ser a Guardiã dos Tratados. Faltar a esta obrigação deveria ser razão mais que justificada para uma Moção de Censura. Mas não: se a maioria aprova, se serve os seus propósitos, que importa se uma decisão é ilegal e viola flagrantemente os Tratados?

Claro que podemos dizer que quer os Estados-Membros, quer os seus cidadãos, têm sempre à sua disposição o recurso à Justiça, aos Tribunais Europeus. Deixemo-nos de ingenuidades! Para nosso desespero, os diferentes Tribunais Europeus, hoje em dia, nada mais fazem que carimbar as decisões da toda-poderosa Comissão. Para agradar ao Berlaymont, no Luxemburgo impõe-se veredictos ainda mais duros e multas mais pesadas que as solicitadas.

Ora quando pensávamos que já tínhamos visto de tudo, os dois últimos Conselhos Europeus conseguiram surpreender todo o mundo: onde os Tratados impõe inequivocamente a unanimidade, com a cumplicidade da Comissão, o Conselho publica um documento que «foi firmemente apoiado por 26 Chefes de Estado e de Governo!». Inacreditável! Quer o órgão supremo da União que os cidadãos o levem a sério? No futuro, qual o limite para publicar tais documentos? 18 (dois terços) que firmemente apoiam uma posição? 14 (mais de metade)? Ou mesmo uma minoria pode, de agora em diante, pedir que a sua posição seja publicada em documento oficial? Não foi só vergonhoso, é mesmo uma desgraça o desaforo a que se chegou! Não se discute o mérito da posição: é ilegal, ponto final!

Porventura estamos a ser injustos e a razão para que a Presidente da Comissão, a Guardiã dos Tratados, não se ter oposto firmemente a tais publicações é que tinha saído da sala para um café quando tal foi decidido! Não? Ups! Concordou? Então é bem mais grave!

Claro, é verdade: podemos recorrer aos Tribunais! Mas recorda-se do parágrafo anterior sobre os Tribunais? Seria uma perda de tempo, pois parece haver um princípio básico que não está inscrito nos Tratados mas deve ser de aplicação obrigatória: a Comissão, perdão, a Presidente da Comissão, tem sempre razão! l

Politólogo