Em À sua imagem (2024), numa adaptação do romance homónimo de Jérôme Ferrari, Thierry de Peretti volta a realizar um filme sobre a sua Córsega natal e o nacionalismo independentista. Mas, desta vez, esses anos conturbados são vistos pela personagem principal, Antonia, interpretada por Clara-Maria Laredo, através da lente da sua câmara fotográfica.
Pascal, encarnado por Louis Starace, é um jovem viril, de longos cabelos, reservado e decidido. O nome da personagem não é obviamente inocente e recorda Pasquale Paoli, o babbu di a patria, ou «pai da pátria», líder da efémera Córsega independente entre 1755 e 1769. Antonia está apaixonada por ele, mas a vida militante do seu homem leva-o à violência armada e à prisão. É possível ter uma vida a dois assim? Decidida, diz-lhe que não, mas o que está em causa é mais do que uma mera relação amorosa.
Antonia é uma jovem fotógrafa que tanto regista os momentos de convívio com os amigos como os faits divers para ilustrar as notícias para o jornal local em que trabalha. É na redacção que aprende que a moral nada tem que ver com o seu trabalho e que o instantâneo tem prioridade.
O pano de fundo desta história são os anos de chumbo das lutas nacionalistas na Córsega, da violência política, do terrorismo, da repressão, da prisão. Mas também das certezas e das dúvidas, além da amizade. A militância não é aqui projectada como figura estilizada do soldado político, mas retratada de uma forma humana, isto é, com todos os defeitos e virtudes, em especial os do ardor da juventude. Porque aqueles que são capazes de cometer atentados, são os mesmos que se divertem com os amigos numa noite de copos, que namoram ou que discutem com os pais, que têm uma vida comum…
Há uma cena extraordinária em que Antonia, Pascal e o seu grupo de amigos estão num concerto ao ar livre. Bebem e divertem-se enquanto ouvem e entoam um dos belos cantos corsos. No palco canta-se o inspirador Citadella da fà, a «cidadela a construir» perante «o inimigo que cerca as terras», e o público acompanha. Mais que uma canção, são palavras de ordem, é um manifesto político e, quando durante a actuação ouvimos tiros disparados para o ar, sabemos que há quem esteja disposto a lutar até às últimas consequências.
O nacionalismo corso que eclodiu nos anos 70 do século passado tinha raízes profundas e reflectia uma comunidade constituída de gerações seculares com uma cultura própria, mas fruto da época e das tendências de esquerda de muitos dos seus dirigentes e ideólogos assumiu um discurso terceiro-mundista. Apesar de muitos militantes nacionalistas corsos terem posições antagónicas a esta, vingou a narrativa em que os franceses eram «os colonos» que deviam partir, como se a Córsega fosse a nova Argélia, num decalque útil para conquistar simpatias internacionais, mas que pouco tinha que ver com a realidade local.
Também neste aspecto, há uma cena do filme em que a música é reveladora. Num momento íntimo entre Antonia e Pascal, em que ela o fotografa enquanto ele fala ao telefone em tronco nu, ouvimos Salut à toi, um «hino» internacionalista do grupo punk francês Bérurier Noir.
A melodia telúrica do canto corso choca com a distorção eléctrica da guitarra punk, mas este paradoxo musical é revelador. Como é possível defender as raízes e proteger um povo quando se proclama o internacionalismo nivelador?
São conhecidas as condicionantes históricas, do Maio de 68 ao exemplo de outros separatismos de então, mas a contradição é ainda mais flagrante quando, nos nossos dias, a Córsega enfrenta o fenómeno da imigração em massa, da islamização ou do wokismo, que naturalmente são incompatíveis com a preservação da identidade corsa.
A este propósito, muita tinta tem corrido devido ao comportamento aparentemente estranho dos eleitores corsos, que nas eleições locais votam maioritariamente em partidos nacionalistas e autonomistas, mas nas últimas presidenciais votaram maioritariamente em Marine Le Pen. Tal expressão da vontade popular só é estranha para quem, toldado pela dicotomia esquerda/direita ou motivado pela má-fé, é incapaz de entender o voto identitário de um povo que se quer perpetuar.
Para entender esta realidade é preciso sair da fotografia, em toda a sua projecção e encenação. Afinal, como Antonia cedo entendeu, a função do fotógrafo é manter a distância. Só que, como o exemplo dela demostra, por muito que tenha tentado afastar-se, é impossível escapar à sua identidade.