O apagão elétrico que paralisou Portugal deveria servir-nos de alerta. Não foi a falha na rede espanhola a verdadeira responsável pela dimensão do impacto. Foi, sim, o facto de Portugal ter exposto, uma vez mais, a sua fragilidade estrutural e a incapacidade histórica de pensar estrategicamente o país. Durante horas, ficámos sem semáforos, sem multibanco, sem internet, sem acesso a informação básica, mergulhando num cenário de vulnerabilidade que não deveria surpreender ninguém.
A dependência energética do exterior, sem a existência de reservas operacionais, planos de contingência ou infraestruturas de resposta autónoma, é apenas um dos muitos exemplos de como Portugal falhou na construção de centros de decisão e de resiliência nacional. Não se trata apenas da questão da propriedade, mas da ausência de uma visão nacional que assegure que, perante falhas externas, existam soluções internas robustas e eficazes. O mesmo sucede com as telecomunicações, cada vez mais concentradas em operadores estrangeiros; com os grandes portos e aeroportos, cuja gestão e propriedade foram sendo cedidas; com o sistema financeiro, largamente dominado por capitais externos; e com a incapacidade de criar uma base tecnológica nacional que assegure alguma independência em sectores críticos.
Esta ausência de pensamento estratégico não é nova, mas os tempos atuais tornam-na ainda mais grave. Um país que não controla os seus ativos essenciais é um país que não controla o seu futuro. A opção tem sido gerir o imediato, adiar reformas estruturais e confiar em redes de interdependência que, em situações de crise, revelam toda a sua fragilidade.
O ensino superior português é, em muitos aspetos, o reflexo mais evidente desta incapacidade de planear o futuro. Regido por um enquadramento legal praticamente inalterado desde 2007, o sistema revela sinais claros de desatualização e de falta de preparação para os novos desafios.
As propostas de alteração ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) apresentadas pelos partidos na Assembleia da República limitaram-se a responder a constrangimentos administrativos, a disputas de governação interna e à preservação de interesses instalados, sem visão estratégica para o futuro do ensino superior nacional. Num momento em que a inteligência artificial transforma profundamente os processos pedagógicos e de gestão académica, em que o ensino à distância assume um papel relevante no acesso e na internacionalização, e em que a reorganização da rede de instituições e das formações se torna imperativa para garantir coesão territorial e eficiência, o debate político permaneceu fechado sobre questões secundárias, ignorando os verdadeiros desafios.
Este cenário é agravado pela demografia. A redução do número de jovens a partir de 2027 colocará pressão sobre o sistema, exigindo decisões estratégicas que, mais uma vez, poucos parecem dispostos a enfrentar. Acresce a forma como o sector continua frequentemente a ser gerido — mais segundo uma lógica de proteção corporativa de interesses do que como parte de uma estratégia nacional para o ensino superior, a ciência e a inovação —, comprometendo ainda mais a capacidade de adaptação e resposta.
A ausência de uma estratégia clara para formar talento, para renovar a organização do ensino e para afirmar Portugal como destino académico competitivo não é apenas um erro; é a confirmação de uma cultura política que continua incapaz de projetar o país para além do imediato.
No ensino superior, como na energia, nas comunicações ou nas infraestruturas críticas, pensar estrategicamente é mais do que uma escolha, representa uma necessidade vital. Portugal precisa de criar condições para o seu progresso com maior segurança, apostar na formação de talento nacional e afirmar-se como um polo internacional de conhecimento e inovação. Isso exige visão, coragem e a capacidade de pensar para além dos ciclos políticos e das conveniências do presente.
O apagão de ontem foi apenas um episódio. A falta de estratégia, essa sim, é um problema crónico que exige, urgentemente, ser corrigido.
Diretor-executivo da APESP – Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado