PRR, a Incompetência, a Irresponsabilidade e a Leviandade não tem (mas devia ter) limites

A Incompetência, a Irresponsabilidade e a Leviandade não têm (mas deveriam ter) limites. Não sei onde vão recrutar estas pessoas, as quais não têm a mínima competência nem o mínimo conhecimento sequer do que é gerir uma organização

Se o leitor pesquisar na Internet, vai encontrar diversas intervenções minhas, incluindo na Comissão de Saúde da Assembleia da República, a perguntar o que acontece se uma entidade não tiver uma obra concluída (no âmbito do PRR para os cuidados continuados) a 30 de Junho de 2026. Tem de devolver os fundos? O Governo tem alguma informação de “Bruxelas” que não partilha e por isso é que está a lançar novos avisos quando não há tempo para a sua execução?

Desde há mais de um ano que faço estas perguntas, alertando para os atrasos que já vinham do anterior Governo (e que se mantiveram com este) no âmbito do PRR. O aviso de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) foi lançado a 10/01/2024 e a maioria dos processos foi concluída em final de Março de 2025 (alguns ainda estão por concluir). Em Agosto de 2024 a Senhora Ministra da Saúde referiu que iria ser lançado novo aviso, ao que retorqui que não havia tempo. Contudo, assim foi a 11/12/2024, cujo processo terminou com as assinaturas dos contratos no passado dia 17 de Abril em cerimónia pública (que considero de propaganda política) com o Ministro da Coesão e com a Secretária de Estado da Gestão da Saúde (que ainda anunciou mais um aviso para as restantes camas que sobraram).

Durante todo este período, de mais de um ano, Governo e entidades públicas incentivaram todas as entidades privadas, com e sem fins lucrativos, a avançar para se candidatarem a estes avisos, sem nunca alertar para o prazo da sua conclusão, inclusive nem exigiam licença de construção ou uma fase de maior maturidade dos projectos. Razão pela qual questionei, precisamente, se haveria tempo ou o Governo teria alguma informação da União Europeia (UE) que não partilhava, mas que possibilitaria alargar prazos.

Muitas das entidades assim o fizeram, gastando dezenas e até centenas de milhares de euros em projectos, endividando-se junto da banca, avançando para a contratação pública e assinando contratos de empreitadas de diversas obras. Nos diversos e-mails trocados com a Secretária de Estado, membros do seu gabinete e dirigentes de organismos públicos, nunca nada nos foi dito a propósito dos prazos.

Existe uma comissão de acompanhamento do PRR, da qual fazem parte os representantes do sector social (Confecoop, União das Misericórdias, CNIS e União das Mutualidades) e o discurso foi sempre de incentivo às candidaturas aos avisos.

Eis que numa reunião que tive com a Secretária de Estado para a Gestão da Saúde (que tutela os cuidados continuados) no passado dia 28/04, a própria me disse que “quem não cumprir o prazo de 30 de Junho de 2026 deve desistir e nem sei porque assinaram os contratos se sabiam que não iam cumprir o prazo… o dinheiro vai para comprar equipamentos para os hospitais…”. Ouvi esta frase da exata pessoa que 11 dias antes assinou contratos e anunciou a abertura de mais um aviso do PRR para os cuidados continuados. Confesso que fiquei totalmente incrédulo…

Depois de alguns telefonemas e várias diligências percebi que fui o primeiro em Portugal a ter esta informação pois mais ninguém sabia. Como é possível termos sido todos enganados e arrastados para esta situação inacreditável, de uma enorme leviandade e irresponsabilidade, brincando com a vida, o dinheiro, a sustentabilidade de centenas de organizações que confiaram no Governo e nas informações (que percebemos agora falsas) que nos levaram a candidaturas e assinaturas de contratos que não eram exequíveis?!

A Incompetência, a Irresponsabilidade e a Leviandade não têm (mas deveriam ter) limites. Não sei onde vão recrutar estas pessoas, as quais não têm a mínima competência nem o mínimo conhecimento sequer do que é gerir uma organização e que acham que é possível, no cenário actual, executar uma obra com as características dos cuidados continuados em 12 meses (mesmo no melhor cenário seria praticamente impossível sem elevar o valor final e com licenças de ruído emitidas pelos municípios – que duvido que o fizessem), ainda para mais com muitas entidades a terem de passar pelo inferno da contratação pública.

Para ilustrar o leitor das consequências desta tamanha incompetência e irresponsabilidade, há 2 meses um concurso público para uma obra de 14 milhões ficou deserto. Recordo que há muito alerto que os fundos do PRR são baixos para o real custo das obras. Contudo, segundo o aviso anterior e o recente, a entidade iria receber um total de 5 milhões de euros para uma obra que iria agora lançar concurso por 17,5 milhões de euros, ou seja, nem 1/3 do valor a fundo perdido! É um bom exemplo dos aumentos sucessivos dos preços das matérias-primas e da mão-de-obra, fruto também da ganância e do aproveitamento pelo facto de haver muitas obras a serem lançadas por força do PRR e do PT2030.

Como se resolve o enorme prejuízo de quem, devido aos avisos, já assinou contratos e iniciou obras que não estarão prontas a 30/06/2026?! O Governo devia responder urgentemente a isto, nomeadamente os Ministros envolvidos, mas também o Primeiro-Ministro, pois o Governo é o único responsável desta situação, em particular a Secretária de Estado.

Desconfio que, tendo a renegociação do PRR sido aprovada há poucas semanas pela UE, em que foi autorizada transferência de despesa para, por exemplo, mais equipamentos médicos; que agora os cuidados continuados se tornaram descartáveis. As novas camas deixaram de ser necessárias e um desígnio nacional?

José Bourdain

(Presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados)