Autor de várias obras de ficção, incluindo para o público juvenil, foi popular no melhor sentido do termo e um incansável divulgador da História de Portugal. O grande público conhecerá seguramente o seu notável primeiro romance, A Voz dos Deuses, de 1984, uma inspirada e inspiradora viagem à Lusitânia cuja leitura tantos encantou, mas menos conhecerão Eu vi morrer o III Reich, de Manuel Homem de Mello, um importante e raro testemunho histórico, que Aguiar coordenou e comentou.
Num país como o nosso, onde a publicação de memórias é rara, é por vezes necessário um impulsionador para o conseguir. É o caso desta obra, que relata as memórias de Manuel Homem de Mello, no início da sua carreira diplomática, enquanto segundo secretário da Legação de Portugal em Berlim, entre 1941 e 1945.
Até à publicação deste livro, o único relato de um português que presenciou o fim do regime nacional-socialista era Como vi o fim da guerra na Alemanha, do Visconde do Porto da Cruz, cuja primeira edição é de 1946. Graças a João Aguiar, chegou até nós mais um valioso relato de quem viveu este Crepúsculo dos Deuses de bem perto.
Segundo ele explica na introdução, conheceu o embaixador Homem de Mello nos anos 60 enquanto trabalhava sob direcção de um dos seus filhos, em Bruxelas. Convidado a ir a Bad Godesberg, onde se situava a residência oficial de Manuel Homem de Mello, então Embaixador de Portugal na República Federal da Alemanha, ouviu por várias vezes as «lembranças dos tempestuosos anos em Berlim». Ciente da sua importância, desde logo insistiu em que as publicasse, mas «foram necessários 12 anos para o convencer…» Em Novembro de 1982, estando a primeira edição do livro em preparação, o embaixador Homem de Mello faleceu e esta só sairia no ano seguinte.
Na longa obra publicada de João Aguiar há ainda um pequeno livro que, apesar de ser curioso e pertinente, é dos menos conhecidos. A Encomendação das Almas é a história de um encontro de gerações e de meios sociais diferentes provocado pela fuga ao mundo globalizado. Dito assim até parece um ensaio sociológico enfadonho, mas na verdade é uma história simples e até tocante, que nos conta como um velho rico e brasonado, D. Gonçalo, deixa tudo para ir viver para a aldeia onde encontra um jovem «simples de espírito», o Zé da Pinta. Esta amizade tão improvável como reveladora é o resultado da recusa de um mundo sem magia no qual não se identificam, descrito com mestria e ironia por Aguiar.
Quando D. Gonçalo fala ao Zé da Pinta na moura encantada, este fica maravilhado, porque «ouvira, não sabia quando nem onde, falar de mouras encantadas. Mas fora uma menção apressada e vaga. Ninguém lhe explicara nada porque ninguém sabia nada, já. No mundo em que sempre vivera, as pessoas sabiam de futebol e totoloto, seguiam com fervor religioso os concursos e os reality shows, vibravam com histórias que se passavam nos Estados Unidos da América ou em Bruxelas; os mais afortunados e distintos tinham mesmo acesso à pornografia por satélite e Internet. Porém, de mouras encantadas ninguém sabia e, diga-se a verdade, ninguém queria saber.» Este livro foi publicado em 1995, mas Aguiar podia muito bem tê-lo escrito hoje.
Quinze anos após a sua morte, quando a História pátria se tornou um alvo preferencial da dita «cultura do cancelamento» e o nivelamento global apaga o encanto da nossa terra e do nosso povo, João Aguiar continua a cantar e a sua obra a encantar.