A meio da manhã fomos surpreendidos pela falta de energia e ficámos ‘às escuras’ do que se estaria a passar. Uns mais assustados do que outros, saímos quase todos do trabalho quando nos apercebemos de que a situação não se iria resolver em poucas horas. Uns foram buscar os filhos às escolas que ficaram sem água, outros foram para casa ou para a rua, mas de uma forma geral, a tarde foi de liberdade, encontro e união. Sem trabalho, tarefas domésticas ou redes sociais.
Houve vizinhos que se aproximaram, que ofereceram ajuda, conviveram e, para quem não estava sozinho, a melhor parte veio quando as redes móveis deixaram de funcionar e viram-se obrigados a colocar dúvidas e a procurar respostas nos outros. Muitos juntaram-se em parques, esplanadas, na rua ou em casa. As famílias, vizinhos, amigos e conhecidos uniram-se, conversaram e encontraram soluções para confecionar o jantar e aproveitar o dia quente e soalheiro.
Regressámos ao rádio a pilhas e ao campingaz. As crianças e os jovens voltaram a jogar à bola na rua, a caminhar em grupos a pé, juntaram-se nas esplanadas sem televisões nem telemóveis, ‘apenas’ uns com os outros, a partilhar conversas do princípio ao fim, sem interrupções nem alertas de mensagens desnecessárias. O país apagou, mas nós acendemos. Voltámos a reunir-nos numa expectativa e objetivo comuns, de estarmos uns com os outros, de pensar e omitir opiniões sobre o que se estaria a passar, sobre a vida, sobre o que estava por dizer há tanto tempo, de fazer uma desintoxicação conjunta do excesso de estímulos e alheamento em que nos temos deixado enredar. A tarde foi longa, o tempo voltou a ser demorado. O jantar foi feito à luz do pôr do Sol ou das velas, assistimos ao manto escuro a cobrir a terra e as nossas casas, vimos as estrelas e redescobrimos como o essencial está nas coisas mais simples. Descobrimos que as noites não precisam de eletricidade para serem quentes e luminosas.
Claro que nem todos reagimos da mesma forma e também houve momentos de maior ansiedade ou preocupação. Sobretudo por parte de quem necessitava de cuidados imediatos, de quem ficou preso em transportes, no trânsito caótico, nos elevadores ou sozinho num andar alto sem informação do que se passava lá fora. Ou também de quem correu para os supermercados ou gasolineiras na expectativa de algo pior. Mas, como diria a minha amiga bióloga Ana Luísa, a diversidade é um dos conceitos mais importantes para a sobrevivência da espécie.
Eu diria que a nossa sobrevivência como seres completos também depende deste encontro aberto e inteiro com os outros e com nós próprios. De nos podermos sentir realmente sozinhos ou acompanhados.
Obrigado apagão, por esta oportunidade para nos reencontrarmos. Connosco e com os outros. Com o mundo e com a natureza. Com o tempo que anda mais devagar. A nossa sobrevivência plena depende disso mesmo. Devíamos andar menos distraídos, deixarmo-nos apagar para o acessório e acender para o essencial mais vezes. Não permitir que o nosso tempo voe e escoe à velocidade da eletricidade.