Ando francamente desgostoso: não tem sido um bom ano para os nabos (Brassica rapa subsp. rapa). Por mais belos que pareçam no mercado, a sua dissecação na cozinha revela interiores invariavelmente cavernosos, castanhos, ressequidos e fibrosos – tudo menos apetecíveis.
Aprecio imenso este vegetal da família das brássicas (parente próximo da couve, mas também do rabanete, da rúcula e da mostarda), tanto pela sua raiz branca, amiúde tingida de rosa e violeta – o nabo propriamente dito (na imagem, óleo de Odilon Redon, c. 1875, Museu de Orsay) – como pelas viçosas folhas verdes (as chamadas nabiças, quando jovens). De origem europeia, já fazia parte da alimentação humana antes mesmo do aparecimento da agricultura, há 10 000 ou 12 000 anos. O seu consumo manteve-se elevado na Europa até ao século XVIII, altura em que começou a ceder lugar à batata.
De sabor subtilmente terroso, levemente adocicado e com um toque picante (denunciando a proximidade genética com a mostarda, cujas sementes são ricas em isotiocianato de alilo, um composto orgânico que contém enxofre e nitrogénio, tal como o rábano-picante ou o seu parente japonês, o wasabi), quando salteado ou assado o nabo adquire ainda notas de nozes, graças a compostos formados durante um processo químico conhecido como reação de Maillard. Sob a ação do calor, açúcares como a glicose e a frutose reagem com aminoácidos (os blocos constituintes das proteínas) formando melanoidinas – compostos de cor acastanhada, com aromas e sabores característicos. É essa mesma reação que dá o tom dourado ao pão e às batatas fritas, além de conferir ao café torrado a sua fragrância inconfundível.
Confesso que não sei por que razão esta hortaliça não tem qualidade este ano. Será devido ao vírus do mosaico do nabo? Transmitido por insetos como os pulgões, este vírus pode representar um sério problema fitossanitário. A infeção manifesta-se pelo aparecimento de manchas amarelas nas folhas, que se tornam enrugadas e deformadas, enquanto a parte subterrânea da planta apresenta um crescimento deficiente. Contudo, não me parece que seja esse o problema: a rama mantém-se bonita e as raízes, à primeira vista, parecem normais. É sabido que esta espécie botânica aprecia humidade – como diz o provérbio: ‘Sol na eira e chuva no nabal! -, mas, na verdade, não houve grande escassez de precipitação durante o inverno. Poderá, então, ser um efeito das alterações climáticas? Inclino-me para essa hipótese.
Se, em português, chamar ‘nabo’ a alguém é insinuar falta de jeito ou incompetência, em francês, un navet (um nabo) tornou-se uma designação coloquial para um filme de má qualidade. Pela sua acessibilidade, este vegetal foi tradicionalmente consumido sobretudo pelas classes mais humildes e por animais, razão pela qual sempre esteve associado a algo de pouco valor – uma perceção que a literatura mundial não deixou de refletir. Em A Inútil Beleza, publicado em 1890, Guy de Maupassant critica a sociedade e a condição humana, recorrendo à alimentação como metáfora da luta pela sobrevivência e da procura de sentido num mundo indiferente ao Homem: «Como couves e cenouras, valha-me Deus, cebolas, nabos e rabanetes, porque fomos obrigados a habituar-nos a isso, até a apreciar o sabor, mas isso é comida de coelhos e de cabras […]. O trigo é para os pássaros, as carnes são para os grandes carnívoros e para os animais de presa. Nós comemo-las depois de as cozinhar, de as temperar com trufas, porque é preciso viver neste mundo que não foi feito para o homem.»
De forma semelhante, John Steinbeck, em As Vinhas da Ira (1939), utiliza também a imagem do sustento como símbolo da luta desesperada pela sobrevivência num contexto de injustiça social e escassez: «De vez em quando alguém tentava; rastejava pela terra, arrancava o mato e tentava, como um ladrão, roubar à terra um pouco da sua riqueza. Hortas clandestinas, no meio do mato. Um punhado de sementes de cenouras, um pouco de nabos e de batatas. Furtivamente, ele saía à noite e preparava o pedaço de terra roubada.»
O estatuto social do nabo terá, entretanto, conhecido alguma ascensão. É um facto que os grandes chefs da atualidade o promoveram a patamares nunca antes imaginados: mousselines, espumas, confits, chutneys e sabe Deus que mais. Pela minha parte, continuo à espera dos prometidos nabos acerejados que a minha amiga Fátima, alentejana de gema, me prometeu fazer.
Químico