Domingo, 18 de maio de 2025

Eu não espero muito das instituições públicas, porque não têm missão ou vocação para tratar destes casos…

São oito e meia da manhã. Subo a Rua dos Cavaleiros, passo o Largo do Terreiro, na Mouraria. Entro na Calçada de Santo André. Vou para celebrar a primeira missa de domingo. No passeio, à esquerda, um homem cambaleia. Mastiga um pedaço de pão.  A cintura das calças a meio das pernas. As roupas imundas, as barbas sujas. Não terá encontrado sítio para ir a uma casa de banho. Não terá conseguido tirar as calças. A sua roupa mostra claramente os restos de um desses momentos…

Subo a calçada e penso naquela imagem… Com uns setenta anos, um homem, sozinho, a deambular num domingo no meio da rua, sem ninguém que o ampare, sem ninguém que lhe dê um banho e um bom pequeno-almoço. Será assim até ao final da sua vida. Morrerá sozinho, sem ninguém. Provavelmente caído num destes passeios da cidade de Lisboa.

Celebro a Eucaristia às nove da manhã com esta imagem dentro da minha memória. Lembro-me do Mad Max, de um deserto de gente, com tudo partido à volta. Voltarei a descer essa mesma Calçada de Santo André para ir celebrar a missa das dez da manhã.

São dez para a dez da manhã e passo pela mesma Calçada da Mouraria, agora a descer. No passeio inverso, encontro um rapaz há muito conhecido por mim. Caído no chão. Tenta levantar-se para a esquerda, para a direita, agarrado às paredes. Também as calças estão sujas, mas era apenas urina. 

É verdade… este rapaz tinha-mo-lo levado há dez anos para uma comunidade terapêutica para recuperar do álcool e da droga. Era um pobre rico! Era rico, porque, como poucos, tinha casa. Os seus pais tinham-lhe deixado a sua própria casa. Porém, não tinha nem água nem luz na habitação. Dormia lá dentro e sobrevivia de dia. 

Saiu da comunidade terapêutica e voltou ao bairro. Voltou a roubar e foi parar ao hospital. Foi preso. Depois do fim da pena fui buscá-lo à porta da prisão. Não tinha nenhum cartão para o identificar. Saiu da prisão, onde esteve nos últimos meses, sem cartão de cidadão.

Era preciso começar tudo de novo. Era preciso fazer um cartão de cidadão. Sem ele não poderá pedir o Rendimento Social de Inserção. Mas também não pode tirar o cartão de cidadão, porque não tem dinheiro, nem orientação para o ir buscar. Articulo com a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior para ter alguma comida e uma declaração de pobreza para não ter de pagar o novo cartão de cidadão. 

Lutámos… Mas voltou a cair… e, caído no chão, neste domingo, voltei a questionar-me: o que é que falta fazer? Como posso levantar este rapaz? 

Naturalmente eu não espero muito das instituições públicas, porque, acredito, não têm missão ou vocação para tratar destes casos. Porquê? Porque são casos que exigem um acompanhamento constante até atingirem a sua autonomia e liberdade…

É pena… não aparecem as suas histórias na televisão… porque não são imigrantes… porque não servem a política nem os políticos… porque ninguém os conhece, nem os quer conhecer…

O sistema é cego… um velho e um quase velho cambaleiam pelas ruas da Mouraria e ninguém olha para eles… E eu sigo em frente… também não faço nada… mas vou a pensar… como posso aparecer novamente na vida destes homens para os levantar… 

Pode não ser hoje… mas será um dia.

Um dia voltarão a ter vida…