Buckminster Fuller: utopia e propaganda

Ainda que indiretamente, um dos legados mais surpreendentes de Fuller foi o buckminsterfulereno, uma forma de carbono descoberta pouco depois da sua morte

Inventor, arquiteto e pensador visionário, o norte-americano Richard Buckminster Fuller (1895–1983) procurou ao longo da vida soluções sustentáveis para os grandes desafios da humanidade. Famoso pelas cúpulas geodésicas, via a Terra como uma “nave espacial” com recursos finitos, defendendo uma gestão responsável e cooperativa, baseada na ciência, no design e na eficiência – ‘fazer mais com menos’ –, ideias que reuniu no manifesto Manual de Instruções para a Nave Espacial Terra (1969). 

Crítico da compartimentação do saber, advogava uma abordagem holística e preventiva para enfrentar problemas globais como a pobreza, os conflitos armados e a degradação ambiental. Em plena Guerra Fria, acreditava na capacidade humana de reinventar o mundo e criar um futuro melhor para todos. Dizia-se apolítico, mas as suas ideias alinhavam-se com a retórica norte-americana do pós-guerra, promovida por figuras como Lyndon B. Johnson e programas como ‘Átomos pela Paz’, que defendiam a conversão da energia nuclear – até então associada à destruição – num instrumento de desenvolvimento e prosperidade. Ao ser escolhido para conceber o Pavilhão dos EUA na Expo ’67, em Montreal (visível no plano de fundo da imagem), pretendia-se que a sua obra simbolizasse a supremacia tecnológica norte-americana ao serviço da paz – escamoteando a realidade da Guerra do Vietname.

A cúpula que o eternizou não era, porém, inédita: fora concebida pelo alemão Walther Bauersfeld (1879–1959) e construída em Jena, em 1923, para um planetário. Fuller divulgou a ideia e registou a patente em 1954. Antecipando conceitos-chave do design ecológico e princípios que, décadas depois, originariam o design paramétrico – criação de formas através de algoritmos –, promoveu estas estruturas, formadas por triângulos interligados que asseguram uma distribuição uniforme das forças, como habitações económicas e resistentes, capazes de suportar explosões nucleares. Segundo ele, a sua forma hemisférica expressava um princípio universal, de resto partilhado com a bomba atómica: a aplicação das leis da física para obtenção da máxima eficiência com o mínimo de recursos. Sublinhava que a única estrutura que permaneceu de pé no epicentro da explosão em Hiroxima, em 1945, foi a Cúpula Genbaku, hoje Memorial da Paz de Hiroxima.

Ainda que indiretamente, um dos legados mais surpreendentes de Fuller foi o buckminsterfulereno, uma forma de carbono descoberta pouco depois da sua morte. O nome deve-se à semelhança entre a geometria da sua molécula, C60, e as cúpulas de Fuller. Constituída por 60 átomos de carbono, cada um ligado a três outros, a molécula é um icosaedro truncado, com 60 vértices e 32 faces (20 hexágonos e 12 pentágonos), fazendo lembrar uma bola de futebol – razão por que também é conhecida como futeboleno. Este alótropo do carbono – as diferentes formas em que um elemento se apresenta, resultantes do modo como os seus átomos se ligam, o que no caso do carbono inclui o diamante, a grafite, os nanotubos de carbono e o carbono amorfo – é um sólido negro que existe em pequenas quantidades na fuligem e que também já foi detetado no espaço, nomeadamente em nebulosas planetárias, em vários tipos de estrelas e no meio interestelar. Desde o final da década de 1960 que se previa a sua existência, mas só em 1985 foi identificado, por Harold Kroto, Robert Curl e Richard Smalley, na Universidade Rice, em Houston. Tratou-se da repetição de um ensaio realizado no ano anterior por outros investigadores, que vaporizaram carbono com um laser num feixe supersónico de hélio. Ao detetarem o que escapara aos primeiros e ao determinarem a sua estrutura, Kroto e os colegas asseguraram o Prémio Nobel da Química de 1996. Apesar de amplamente estudado e apregoado quanto aos seus potenciais usos em áreas como a eletrónica e a medicina, o C60 nunca encontrou uma aplicação prática relevante, demonstrando que também na ciência existem “modas”, ou entusiasmos temporários.

Quanto às cúpulas de Fuller – na sua época símbolos da ciência, tecnologia e arquitetura ao serviço da Humanidade –, além de terem dado nome a uma molécula, ilustram hoje a fragilidade da linha entre utopia e propaganda, situação agravada pela aparente tendência para o desaparecimento dos avanços científico-tecnológicos das agendas políticas. Veja-se a ofensiva de Trump contra as universidades: Harvard (sobre a qual se costuma dizer que, se algo não foi descoberto lá, então não foi descoberto!) vai deixar de poder acolher alunos estrangeiros.

Portugal, num futuro mais ou menos próximo, poderá enfrentar uma situação análoga?