A Trágica Comédia Fiscal

Esta visão “contabilística” ignora que a política fiscal é, ou deveria ser, uma ferramenta de estratégia nacional e regional e não um jogo de soma zero num Excel da Direção-Geral do Orçamento.

Numa época em que o mundo gira à volta do talento e da mobilidade, Portugal escolheu caminhar em sentido inverso, com o passo arrastado dos que confundem igualdade com nivelamento e justiça com ressentimento. O fim do regime do Residente Não Habitual (RNH) é mais do que uma opção fiscal infeliz; é um sintoma de uma cultura política que desconfia da excelência. Uma cultura que prefere perder investidores a permitir distinções.

Mas se a Metrópole peca por ideologia igualitarista, a tragédia atinge o cume na forma como o Estado central tem tratado a Região Autónoma da Madeira. Da impossibilidade, por portaria do Secretário Regional das Finanças, no que à adaptação do IFICI (Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação) à realidade ultra-periférica e insular diz respeito, à reiterada demora na prorrogação do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) para além de 2028 — quando o regime de Canárias, concorrente do CINM, já está garantido até 2032! — são gestos de um centralismo cego, que teme a autonomia fiscal enquanto expressão de liberdade política. A Madeira, que poderia ser uma plataforma de competitividade Atlântica, é reduzida a apêndice orçamental de Lisboa.

Na prática, assiste-se à tentativa de tentar neutralizar a Madeira como instrumento fiscal diferenciado, amputando-lhe as poucas armas que tem para contrariar a ultra-periferia, que lhe é reconhecida no Direito Europeu, e afirmar-se como polo geo-económico lusófono entre a UE, as Américas e África. O que está em causa não é um detalhe técnico, mas uma questão de Autonomia Político-Administrativa.

A Aliança Democrática, que se apresenta como reformista, incorre na mesma lógica tecnocrática: equiparar benefícios fiscais a “despesas” a eliminar. Esta visão “contabilística” ignora que a política fiscal é, ou deveria ser, uma ferramenta de estratégia nacional e regional e não um jogo de soma zero num Excel da Direção-Geral do Orçamento.

Pior: justificar a eliminação de benefícios com o argumento da “complexidade” é uma capitulação. Em plena era digital e advento da Inteligência Artificial, não há complexidade que justifique a abdicação da Autonomia ou de estratégia fiscal nacional. A invocação da “simplificação” como critério absoluto é apenas a nova linguagem da desistência administrativa e um disfarce para a incompetência do inquilino do Terreiro do Paço que já não serve a soberania, mas apenas a sua própria inércia.

A Região Autónoma da Madeira não pode continuar a pedir licença para existir e agir. A Autonomia não é um capricho, é uma necessidade geográfica, cultural e um acto constitucional de reparação histórica para com a Madeira e os Açores! E a sua expressão mais concreta, hoje, está na capacidade de dispor de um regime fiscal próprio, competitivo e eficaz.

A verdadeira liberdade nasce do sentido aristocrático da responsabilidade e não da padronização estatista. O que se exige, portanto, é que a Madeira afirme a sua liberdade fiscal não por favor de São Bento, mas por direito próprio. A Madeira tem uma história a continuar e esta não pode depender de uma Metrópole em constante crise estratégica e estrutural.

Economista