O que as crianças estão a ouvir (e por que nos devemos preocupar)

Músicas como ‘Vai no cavalinho’ são o pano de fundo ruidoso e inadequado de muitos recreios e dão o mote a grupos de crianças para as cantar e dançar, sem compreenderem o seu significado…

O meu filho mais novo fica sempre intrigado quando percebe que fico incomodada quando vejo crianças a cantar e a dançar músicas como Vai no cavalinho. É natural que, na sua inocência, pense que a letra desta música se refere apenas a alguém a andar de cavalo e não pode imaginar que alguém lhe atribui um significado bastante diferente.

Músicas como esta, que se tornaram populares através das redes sociais por terem um ritmo animado e dançante, uma coreografia própria e um refrão curto e repetitivo, têm invadido as festas e as escolas dos mais pequenos, tirando lugar às músicas infantis.

São o pano de fundo ruidoso e inadequado de muitos recreios durante os intervalos e dão o mote a grupos de crianças, sobretudo meninas, que se juntam para as cantar e dançar, sem compreenderem o seu significado, reproduzindo o que veem nos vídeos.

São muitas as crianças que chegam a casa a perguntar o que querem dizer as coisas mais escabrosas, o que deixa alguns pais alarmados e embaraçados. Ainda assim, há muitos adultos que tendem a desvalorizar o impacto que estas músicas podem ter, esquecendo-se de que, numa fase em que os valores e a identidade dos mais novos estão em construção, dificilmente será inócuo.

Em primeiro lugar, muitas destas meninas falham uma fase rica e importante da infância que devia ser pautada pelas brincadeiras simbólicas e imaginativas, e por interações saudáveis, dando prioridade às coreografias automáticas e repetitivas.

Por outro, colocam imediatamente de parte as músicas infantis, que passam a considerar uma ‘bebezice’, quando seriam as mais adequadas à sua idade e representam uma ponte segura entre o mundo interno e a realidade exterior, que respeitam o seu ritmo, curiosidade e emoções.

A imitação das danças sexualizadas dos adultos, com movimentos que as crianças ainda não entendem, insere-as numa esfera desadequada para a sua idade. No mesmo sentido, as meninas tendem a imitar fisicamente as ‘dançarinas’ dos vídeos com roupas sensualizadas, maquilhagem e formas de estar que conduzem a uma sexualização muito precoce do corpo e da identidade que não corresponde à sua maturidade emocional. Esta falta de entendimento dos limites pessoais e corporais poderá ter impacto não só na autoestima e na forma de se relacionarem com os outros, como aumentar a vulnerabilidade e até despoletar situações de risco.

Além da objetificação e desrespeito pela figura feminina e de fazer muitas vezes uso de uma linguagem imprópria, este género de músicas valoriza uma série de outros valores contrários àqueles que gostaríamos que os mais novos adotassem – como a violência, o ódio, o uso de álcool e de drogas, o materialismo ou o consumismo.

Enquanto pais e educadores, temos o dever de estar atentos e de distinguir aquilo que é adequado do que pode ser prejudicial às nossas crianças, sem confundir a proteção saudável com hiperproteção ou censura nociva. Cabe-nos resguardá-las desta injeção precoce de conteúdos tóxicos e inadequados, que não só prejudicam o seu desenvolvimento cognitivo e emocional, como são uma influência negativa para a base ética e social que sustentará a sua vida adulta.