Casos de violência gravíssima, como ataques bárbaros por claques, agressões brutais contra profissionais de setores públicos e o crescimento da criminalidade associada a gangues urbanos, são sistematicamente relativizados ou ignorados, reduzidos a meras perceções alarmistas de insegurança, desde que os agressores não se enquadrem no perfil ideológico ‘conveniente’. Em contrapartida, episódios isolados, como a agressão de um jovem alegadamente ligado à extrema-direita contra um ator, ganham um destaque desproporcionado e assumem, de imediato, uma carga simbólica de alarme nacional.
Centremo-nos nesse caso concreto. Trata-se de uma agressão condenável, como qualquer ato de violência gratuita. Deve ser investigada e julgada pelas autoridades competentes, como é evidente. O problema está noutro plano: no aproveitamento político e mediático do episódio, transformado de imediato num símbolo do ‘regresso do fascismo’ ou, mais delirantemente, de um ‘ataque nazi’. Porquê? Porque a vítima é um ator e, no imaginário cultural dominante em Portugal, os atores pertencem automaticamente à esquerda. A cultura, no nosso país, tornou-se um feudo ideológico. Cultura de direita? Não existe, ou, se existe, não pode existir. Quando artistas, escritores ou pensadores não alinham com a ortodoxia progressista, são ignorados, marginalizados ou mesmo despedidos.
Vivemos uma hierarquização moral dos crimes. O critério não é a gravidade objetiva dos atos, mas a identidade ideológica dos envolvidos. Crimes contra a esquerda, ou interpretados como tal, valem sempre mais. A esquerda reclama para si um estatuto de superioridade moralista que tudo justifica e relativiza. Esta crença tem consequências práticas, visíveis no discurso mediático, político e intelectual que domina o ‘sistema’.
A assimetria é gritante. O caso da agressão ao ator dominou os noticiários durante dias. Gerou declarações do Presidente da República, de ministros, de figuras públicas, colunistas e artistas. Foi apresentado como prova da ascensão do fascismo. No mesmo fim de semana, o episódio terrorista de uma claque que incendiou um carro com adeptos rivais e a descoberta de um grupo extremista que planeava envenenar judeus num concerto mereceram apenas breves referências.
Este novo moralismo ideológico funciona como uma grelha de interpretação: se a esquerda agride, é ‘resistência’; se ofende, é ‘arte’; se odeia, é ‘legítima defesa’. Mas, se o mesmo comportamento vier da direita, transforma-se em crime, intolerância, extremismo. A esquerda contemporânea habituou-se a justificar os seus próprios excessos em nome da luta contra uma ‘opressão’ cada vez mais abstrata. O que é violência torna-se nobre quando praticado em nome das ‘boas causas’.
O problema é grave. Não porque se fale demais da ameaça da extrema-direita, que, se existe, deve ser vigiada, mas porque tudo o que escapa ao discurso dominante é rotulado, silenciado ou desqualificado. E porque as agressões, a censura e a violência simbólica da esquerda passam, quase sempre, incólumes.
Não se trata de negar os abusos cometidos por todos os quadrantes ideológicos. Nenhuma ideologia está isenta de fanatismos. O que está em causa é o desequilíbrio escandaloso na forma como esses fenómenos são medidos, debatidos e enquadrados. A mesma conduta, consoante a origem ideológica, é ora glorificada, ora demonizada. E isso não é justiça. É manipulação.