Na Faculdade de Direito aprende-se uma regra básica: o sigilo profissional do advogado é sagrado – quase tanto como a confissão religiosa ou a receita dos pastéis de Belém. Na espuma dos dias, os advogados são por vezes surpreendidos com fugas de informação protegida pelo sigilo profissional. Quando confrontados com informação confidencial que lhes fazem chegar em mãos, a pergunta correta deveria ser se o material está protegido por sigilo e não que se pode dar um bom título ou manchete.
Claro que há material jurídico que pode ser tentador, como o impulso de aceder à troca de e-mails entre o advogado e o seu cliente, que revele os segredos contidos na estratégia processual.
A publicação nos media de documentos confidenciais levanta questões sobre o limite da liberdade de informação e o princípio da legalidade da prova. Quando existem fugas de informação para a esfera pública no imediato a tentação é privilegiar a ‘transparência’. Mas será que os meios justificam o fim, mesmo que ilegítimos?
O artigo 126.º do Código de Processo Penal estabelece a regra da inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito, o que inclui os documentos protegidos por sigilo profissional subtraídos, fotografados ou partilhados por terceiros sem autorização ou a quebra judicialmente legitimada desse sigilo.
A divulgação pública nos media ou na internet de material protegido pelo sigilo profissional não pode ser considerado um ato cívico de serviço público sem se questionar a sua origem e a forma como foi obtido ou vamos nos limitar a aplicar a doutrina da ‘curiosidade justifica o método’?
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem privilegiado a proteção à liberdade de imprensa e do direito do jornalista ao sigilo das fontes, desde que o interesse público se justifique e seja relevante e a informação tenha chegado ao conhecimento público. Da jurisprudência nacional a regra é simples, mas aparentemente tem sido ignorada: a correspondência entre advogados está protegida pelo segredo profissional. Mesmo que a documentação sujeita a sigilo profissional tenha potencial para gerar boas manchetes, a abertura de noticiários ou aumentar o tráfego online.
A jurisprudência diz ainda que o acesso sem autorização a correspondência sigilosa é crime. A partilha do que estiver já espalhado pela internet não a torna mais lícita. Os direitos fundamentais não desaparecem assim por ‘artes mágicas’ quando o interesse económico parece prevalecer sobre estes leaks. O facto de se querer lucrar com dados obtidos ilicitamente não legitima a sua publicação.
Por fim, a jurisprudência ainda refere que a proteção do sigilo não é censura, mas uma regra da democracia consagrada na Constituição portuguesa e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, invocadas amiúde de forma superficial.
O sigilo profissional do advogado não é um entrave à justiça. É uma condição da sua existência. Quando se tolera a violação do sigilo em prol do interesse mediático, sacrificamos uma garantia fundamental em troca de algo fugaz. A erosão do sigilo numa manchete no jornal é, em última análise, a da própria ideia de justiça, que não se repara com um desmentido na edição seguinte.