Fui recentemente contactado por uma doente na casa dos quarenta anos dando-me conhecimento da evolução da sua doença e do esquema terapêutico que lhe tinha sido proposto para dar resposta à complexidade da situação clínica. «Vou ser operada de imediato e logo a seguir terei de fazer uns tratamentos. O seu colega disse-me que se eu cumprisse todas as indicações o prognóstico seria bem mais animador». Respondi-lhe então: «É verdade. A Medicina tem hoje respostas que antigamente não tinha. Mas, vai ter que escalar a montanha. Não desista! Os resultados vão aparecer no fim».
Este é um dos muitos casos que mostra a necessidade de se apostar na Medicina preventiva diagnosticando precocemente as doenças graves e de haver todo um acompanhamento médico ao longo da vida, coisa que, para muitos portugueses não passa de uma miragem por nem todos terem médico de família. Por outro lado, também revela que a cura nem sempre é possível, pelo que, por vezes, se tem de recorrer às ‘armas terapêuticas’ mais adequadas para ir tratando a doença consoante o seu percurso. Lembro-me, a propósito, de uma peça musical do célebre filme Música no Coração – Climb every mountain (Escale cada montanha/Siga cada atalho/ Todo o caminho/Salte cada riacho/ Até você encontrar o seu sonho…). Essa fantástica melodia fala-nos de uma forma poética das alturas em que temos de escalar montanhas, passar por dificuldades, seguir por caminhos estreitos e arriscados pois no fim havemos de ter a justa recompensa. E na nossa vida há sempre montanhas para escalar. Ninguém pense que só existem autoestradas e vias largas no trajeto para o nosso destino. Quantas vezes não temos de recorrer aos atalhos e circuitos alternativos, porventura mais difíceis e não isentos de obstáculos e de imprevistos? Mas, apesar de tudo, por maiores que sejam as dificuldades, encontramos sempre o sonho desejado pelo qual tanto lutámos, como aquele mágico poema deixa no ar. Em Medicina o panorama não é diferente. Não há doenças, há doentes. Cada caso é um caso e a abordagem terapêutica não é a mesma para cada um. Uns curam-se, outros ‘vão-se tratando’ e ninguém está livre de ter de escalar a montanha.
E a nível mundial que montanhas não é preciso escalar? O mundo de hoje parece girar à volta de princípios onde conta tudo menos o ser humano. Guerras que não acabam, cenários de horror e de destruição, povos em constante sofrimento, seres humanos na miséria! Quantos atalhos temos de seguir e quantos obstáculos a vencer até encontrar o sonho da paz que todos desejamos. O filme Música no Coração também nos mostra as montanhas que a família von Trapp teve de escalar durante a guerra em fuga para outras terras até encontrar, por fim, a liberdade que tanto procuravam. Entre nós não deve haver ninguém que não se interrogue acerca da montanha elevadíssima que o novo Governo vai ter de escalar. Em todas as áreas. E o meu setor está mesmo a precisar que se olhe para ele com outros olhos. É preciso acudir aos cuidados primários, repensar as urgências hospitalares, estar atento ao tempo de espera para consultas, cirurgias e para fazer apenas um simples exame auxiliar de diagnóstico. Convém ter presente o crónico problema dos doentes sociais, já com alta clínica que continuam internados nos hospitais ocupando camas por tempo indeterminado, cujo número tem aumentado vertiginosamente e que custam fortunas ao Estado, não esquecendo nunca a situação preocupante da fuga dos profissionais do SNS para o setor privado quando não mesmo para o estrangeiro. Porém, não podemos desanimar. Há que ter esperança e acreditar no sonho que está ao nosso alcance.
No passado dia 16 de maio fez precisamente dezasseis anos que a Filipa partiu. Teria hoje trinta e três anos se continuasse entre nós. Esta jovem estudante encarou com coragem e de olhos nos olhos a doença que viria a levá-la. Também ela aceitou escalar a montanha na perseguição do sonho de vir a ser arquiteta, mas, ficou pelo caminho. Deixou-nos, como lema da sua vida, esta mensagem: ‘Na vida temos de correr atrás dos sonhos e não desistir de lutar por eles’. Pegando no seu exemplo e na dureza do seu testemunho, escalemos a montanha sem desistir. Se corrermos por atalhos, saltarmos riachos mas seguirmos o caminho certo, haveremos de encontrar, um dia, o sonho das nossas vidas.
Médico