Lembro-me de chegar a casa, no final das férias de verão, e correr até à caixa de correio, ansiosa por encontrar as cartas que os meus amigos tinham enviado durante a minha ausência. E de, durante as férias no Algarve, passar numa caixa deixada nas traseiras de um quiosque, onde se acumulavam as cartas recebidas na zona e procurar o meu nome entre os vários envelopes. Quando encontrava uma, levava-a com entusiasmo para casa e abria-a com curiosidade, pronta para descobrir as novidades que me esperavam depois de terem percorrido um longo trajeto.
Naqueles verões demorados, cheios de tempo livre, quando os telemóveis ainda não existiam e os dias pareciam maiores, fazia parte de uma tarde ou noite quente o ritual de nos sentarmos a ler ou descrever a alguém as férias numa carta, em que contávamos os episódios mais ou menos engraçados, as novidades, e fazíamos perguntas sobre o que se passava do outro lado. Era um momento em que se parava para fazer o ponto da situação, para pensar no que estávamos a viver e partilhar aqueles dias com alguém que não estava connosco. Eram cartas longas, com várias páginas e toda a informação que cabia num pequeno envelope.
Às cartas juntavam-se as fotografias, tiradas nos melhores momentos. Eram fotografias estratégicas, porque o rolo só tinha 24 ou 36 exposições e a revelação implicava um gasto. Geralmente esperávamos pelo final das férias para saber que tesouros a câmara nos reservava. No dia em que a levávamos à loja, a espera pela revelação parecia uma eternidade, até finalmente termos as melhores memórias das férias entre as mãos. Demorávamo-nos em cada uma, olhávamos para os pormenores e escolhíamos algumas que queríamos ampliar, emoldurar ou reproduzir para os amigos.
As férias tornavam-se palpáveis e ficavam imortalizadas nesses registos de imagem e escrita, que ainda hoje guardamos em caixas ou álbuns.
Nos verões modernos o tempo livre e de espera é um bicho papão que mal aparece é aniquilado com um toque no telemóvel. O tempo voa entre pequenos nadas e deixa pouco espaço para esperas, pouca paciência para ler ou escrever.
No tempo que nos levava a escrever uma carta, levá-la ao correio e esperar uma resposta do outro lado, hoje, quando as notícias chegassem ao seu destino, já estariam mais do que fora do prazo.
Os registos tornaram-se menos palpáveis e mais fugazes.
Tiram-se fotografias em catadupa, que se partilham em stories, duram um dia e desaparecem, ou em ficheiros de visualização única, que depois de abertos deixam de existir. Como se se tratasse das provas de um crime que têm de ser destruídas sem deixar vestígios.
Dos verões antigos fica a nostalgia do tempo em que se vivia devagar, em que os dias se alongavam no calor, em que a espera fazia parte do encanto e as memórias se guardavam em papel e fotografias reveladas. Em que os registos serviam de provas dos tempos antigos, da presença dos outros, da intenção e do afeto.
Psicóloga clínica