Há pedras que o mundo rejeita, mas que devem ser escolhidas para reerguer o templo.
A Madeira e os Açores, desde há muito, são tratados como pedras periféricas, úteis quando convém, esquecidas quando se levantam. E, no entanto, são pedras fundas, polidas por séculos de coragem, fé e trabalho. É tempo de lhes reconhecer o lugar no edifício nacional. Não por favor, mas por justiça.
Desde o séc. XIX, muito se construiu. Mas o edifício da atual Autonomia nasceu com alicerces curtos e paredes frágeis. As suas colunas tremem perante o centralismo legal, cultural e jurisprudencial crónico. E a luz, que deveria entrar pelas janelas da equidade, foi obscurecida por acórdãos e teleologia assente em desconfianças e incapacidade de responsabilizar atores políticos regionais.
Não se ergue uma república verdadeira com cidadãos a quem se nega o direito de traçar o seu próprio compasso.
Açorianos e Madeirenses não pedem separação, pedem simetria. Pedem um nível sobre a pedra. Pedem Autonomia Plena. Um modelo em que possam definir as suas políticas fiscais, legislar as suas próprias leis e códigos legislativos em tudo quanto não diga respeito à soberania do Estado Português (Direitos, Liberdades e Garantias, Negócios Estrangeiros, Justiça e Defesa), ordenar o seu espaço e desenvolver o seu futuro, tudo dentro do templo comum da nação.
Alguns temem que esta proposta divida o país. Mas só há unidade verdadeira quando há equilíbrio entre as partes. Só há coesão quando cada coluna sustém o peso com igual honra. Se o continente pretende ser pedra angular, que o seja com nobreza, não esmagando, mas sustentando.
Na oficina da História, muitos dos que serviram Portugal melhor foram os que ousaram pedir mais para os seus. Macau teve autonomia plena sob tutela portuguesa, conhecendo um modelo de grande complexidade administrativa. Porquê negar às atuais Regiões Autónomas aquilo que já foi concedido além-mar?
Autonomia Plena não é desordem: é arquitetura justa. É levantar muros com medida, abrir portas com propósito e alinhar cada bloco com sabedoria.
A tradição ensina-nos que não há liberdade sem responsabilidade, nem progresso sem reforma interior. É tempo de Portugal reformar-se. De reconhecer nos seus filhos insulares não súbditos resignados, mas obreiros da mesma pátria dotados de ferramentas à altura das suas condicionantes, perenes, decorrentes da insularidade e ultraperiferia. Capazes, fiéis, prontos.
O que se propõe é um novo desenho, uma linha recta traçada pela régua com respeito mútuo, com amor à pátria comum e com a certeza de que só os edifícios fundados sobre a justiça resistem ao tempo. Deixemos, pois, que se refunde o templo da Autonomia. Com pedra local, traço digno e luz suficiente para que todos se vejam por inteiro, nem maiores, nem menores, mas iguais no ideal e livres na execução.
Economista