O Decreto-Lei n.º 20-B/2023 (Apoio Extraordinário às Rendas), fruto de uma burocracia ilustrada que crê que boas intenções bastam, pretende ser um gesto de “justiça social”, expressão que revela já a sua natureza sentimental e jacobina. Na prática, trata-se de mais uma peça do ritual democrático moderno: proclamar virtudes, ignorar a realidade e abrir espaço ao abuso.
Concebido nos corredores estéreis do ministério, o diploma encarna o pior das democracias parlamentares: leis redigidas por ideólogos de gabinete que conhecem o povo apenas por estatísticas. Supõe, de forma ingénua, que o IRS reflete a verdadeira capacidade económica. Porém, os verdadeiros “ricos” (donos de imóveis e sociedades) surgem como pobres no papel. O Estado, que se proclama omnisciente, prefere a cegueira voluntária. O igualitarismo tem horror à complexidade patrimonial.
Parte-se ainda do pressuposto de que todos declaram os rendimentos obtidos fora do país à AT, uma crença rousseauniana na bondade natural do homem. Mas quando o astuto vence e o honesto perde, a surpresa é só para quem esqueceu o pecado original. O Estado, como sempre, castiga a virtude, não por malícia, mas por arrogância e ineficácia dos seus mecanismos de controlo dos expatriados.
Mais, nada no diploma impede que beneficiários de “vistos gold” acedam ao apoio. A mentalidade dominante é clara: todos têm direitos, ninguém tem deveres. Basta um formulário bem preenchido. Não importa se o requerente tem imóveis em cinco continentes, a forma prevalece sobre a substância e a legalidade, mais uma vez, é confundida com justiça.
A fé do legislador nos recibos de rendas electrónicos e contratos registados é comovente. Mas num país treinado na astúcia fiscal (cortesia da elevada carga fiscal), rendas simuladas e contratos fictícios não são exceção: são estratégias de sobrevivência. Leis em excesso e impostos elevados sempre geram fraude. A democracia moderna criou normas para serem desobedecidas.
Permitir que vários titulares de contratos recebam apoios em separado é mais do que erro técnico: é um ataque à unidade familiar. Assim, moradas fictícias e fragmentação de agregados tornam-se táticas para maximizar subsídios. O lar é substituído pela engenharia fiscal. Eis o “progresso” da modernidade socialista.
Ignoram-se ainda patrimónios imobiliários e confia-se nos extratos bancários. O legislador tecnocrata não entende a riqueza portuguesa, pois tem fé de que se não está no saldo, não existe. E a verificação do pagamento da renda resume-se a recibos eletrónicos: nenhuma auditoria, nenhum cruzamento. A democracia digital é um regime de fé cega em plataformas e softwares.
Desta forma, o Decreto-Lei n.º 20-B/2023 é um retrato da decadência intelectual do nosso tempo. Criado por quem passou mais tempo em seminários partidários sobre “inclusão” do que nas ruas do país real, é mais um exemplo de lei feita para parecer virtuosa, mas que estimula o abuso. A justiça, afinal, não é distribuir dinheiro, mas reconhecer diferenças e proteger os trabalhadores dos fraudulentos.
Economista