O presidente da Câmara de Loures mandou demolir barracas e isso chocou uma parte do país. ‘Aqui del-Rei, que foram deixadas família sem teto’. Teto? Uma barraca é um ‘teto’ que respeita o objetivo constitucional de ter uma casa digna? Não creio que fosse exatamente aquele tipo de casa a povoar o espírito dos constituintes, quando fizeram desta um direito fundamental.
Há uma parte do país, que vive normalmente nas zonas privilegiadas das cidades (seja no seu centro, seja nos subúrbios de luxo), e apenas nestas circula, que não conhece a realidade. É o retrato do país desnatado. Foi este país que ficou chocado com as demolições que o autarca de Loures teve de fazer.
Mesmo os políticos que apareceram a criticar o autarca de Loures, a maior parte deles não conhece aquelas realidades. Há alguns dias, fui tomar café num bairro municipal, olhei para o lixo e verifiquei que estava lá um folheto de uma força política candidata à Câmara. Disse-me a senhora do café: «Não os conheço, nunca tinha visto nenhum deles antes. Um deles até estava a fumar e deitou a beata para o chão».
É interessante esta singularidade de termos pessoas que não conhecem a realidade concreta mas que, ainda assim, se sentem capazes de a interpretar e liderar. Mesmo sem a conhecer. É giro!
A crise de habitação conforme a vivemos é complexa, de origem multidimensional e não terminará com esta geração. Podemos até, em certos casos, como Oeiras, estar em vias de resolver, com os projetos em curso, os problemas desta geração. Todavia, a falta de dinâmica económica do país, com um elevador social que não funciona (importa lembrar que uma família pobre demora, neste país, 5 gerações a quebrar o ciclo de pobreza), indicia que muito dos filhos dos pobres atuais continuarão a necessitar de apoio público na habitação. Pelo que, quem acredita que o problema se resolve já, precisa de ler o que se dizia aquando do final do PER.
Precisamos, rapidamente, de termos conhecimento da realidade e pragmatismo nos decisores. O sofrimento pede pressa. A maior parte das discussões estéreis que continuamos a praticar de nada servem para resolver os problemas na habitação. Também de nada vale dizer que demora muito construir, porque tarde acaba o que nunca começa.
Começar por deixarmos de ouvir de ouvir especialistas em habitação pública que nunca fizeram casas ajudava. A hipocrisia destes atores é assustadora, manipula massas e nada faz por quem precisa de soluções.
Ainda assim há boas notícias, nestes dias, já passámos a ouvir pessoas que antes diziam que a habitação era apenas uma questão de ‘mercado’, afirmar convictos que sem construção do Estado não se resolve.
Mário Soares dizia que «só os burros não mudam». Convinha, porém, que deixássemos de ouvir uns burros e de ser governados por outros que deixaram de ser.