Com as escolas a fechar e os pais ainda a trabalhar, surge a dúvida do que fazer às crianças. Muitas estiveram durante as últimas semanas nos tempos livres da escola, outras em colónias ou atividades e mais algumas em casa com os irmãos mais velhos, no trabalho com os pais ou com os avós.
A verdade é que há uma grande discrepância entre a duração das férias escolares e as dos trabalhadores, o que muitas vezes se transforma num quebra-cabeças familiar.
Numa altura em que parecemos viver no horror do silêncio e do vazio, muitos pais e educadores têm como maior preocupação a de proporcionar às crianças umas férias organizadas, recheadas de eventos, visitas, atividades e com elas, regras e horários. Perante os flyers de programações fantásticas, que quanto mais carregados de atividades mais esgotam, um olhar mais conservador fica cansado só de imaginar o frenesim e o corrupio de algumas dessas agendas postas em ação. É que, na sua disposição horária, lembram um longo dia de aulas ou de trabalho intensivo.
Das recordações das férias da infância saltam-me à memória aquelas que foram construídas demoradamente numa linha ténue entre a fantasia, os sonhos e a realidade. As casinhas de bonecas que ganhavam forma por baixo de uma senhorinha antiga em casa da minha avó ou as bonecas que se deleitavam no mar numa piscina natural entre as dunas. Quanto mais próxima da realidade, mais encanto tinha a brincadeira e era possível imaginar que as personagens tomavam vida.
Hoje há uma tendência para evitar o ócio e o tédio, como se fossem um bicho papão. Como se as crianças pudessem definhar nesse deserto árido, sem nos apercebermos de que esse terreno é um fértil ponto de partida para as brincadeiras mais ricas e produtivas.
É o silêncio e o vazio, que tanto assusta os adultos, que obriga os mais novos a pensar, a criar e a inventar. A encontrarem espaço para criarem e construírem os seus próprios caminhos. E é nesta brincadeira livre, longe das metas, dos estudos e objetivos pedagógicos, enquanto os dias são criados e esculpidos ao seu próprio ritmo, longe das obrigações horárias e das exigências dos outros, que o cérebro se modifica, adapta e reorganiza, como a plasticina que se transforma e nasce vezes sem conta entre as mãos das crianças.
No mesmo sentido, é assustador imaginar a quantidade de crianças que têm passado os dias entregue a tablets, consolas e telemóveis. Que desperdiçam o precioso tempo de férias, que podia ser de criatividade e crescimento, num ciclo repetitivo e insaciável de estímulos rápidos, recompensas momentâneas e passividade mental. Só os olhos e os dedos mexem, num corpo entorpecido e cérebro adormecido.
Que este seja um verão sem receio de arriscar o vazio. As férias não precisam de ser mais um programa de atividades e obrigações. Ganham mais como um tempo único de pausa, um território para a descoberta e a criação. Nesse sentido, em vez de entregarmos um ecrã a uma criança ou um rol de atividades, acreditemos na sua sabedoria para, perante o tédio, espicaçar o cérebro e a imaginação, para criar dias cheios, novos e significativos. Daqueles que ficarão gravados para sempre entre as suas boas memórias.